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6 de outubro de 2011

HENRY HATHAWAY, O DIRETOR QUE MUDOU JOHN WAYNE



A crítica sempre cobrou muito de John Wayne dizendo que ele só interpretava a si mesmo. E para comprovar essa afirmação eram citadas suas poucas boas interpretações como em “Rio Vermelho” (Red River), “Legião Invencível” (She Wore a Yellow Ribbon) e “Rastros de Ódio” (The Searchers), esta última principalmente. Em “Onde Começa o Inferno” (Rio Bravo) já se notava um John Wayne um pouco mais solto, mas era o velho e bom Duke de sempre. Até que ele foi dirigido por Henry Hathaway em “Fúria no Alasca” (North to Alaska), em 1960. E o cinema ganhou um novo John Wayne.

Henry Hathaway
ZERO DE PLANEJAMENTO PARA A FOX - Henry Hathaway já havia dirigido John Wayne por duas vezes. A primeira no faroeste “O Morro dos Maus Espíritos” (Shepherd on the Hills), em 1941; a segunda em 1957 no muito criticado drama “A Lenda dos Desaparecidos”. Mesmo sem fazer parte do time dos maiores diretores de Hollywood, Hathaway era considerado dos mais competentes e muitos de seus filmes se tornaram clássicos, especialmente no gênero noir. O estilo de Hathaway era um mescla de John Ford com Howard Hawks sem evidentemente a genialidade do primeiro e o grande talento do segundo. Em 1958 John Wayne assinou um contrato com a 20th Century-Fox para fazer três filmes em três anos. O prazo para completar o contrato estava acabando e só havia sido feito “O Bárbaro e a Geisha” que foi um rotundo fracasso de bilheteria. Os executivos da Fox tinham que agir rápido e sabiam que teriam que rodar faroestes com o Duke pois o lucro era certo (o terceiro filme do contrato foi "Os Comancheiros" Tthe Comancheros). O estúdio havia comprado há tempos os direitos de uma peça chamada “Birthday Gift”, de autoria de Lazlo Fodor, texto que estava engavetado uma vez que ninguém sabia direito o que fazer com ele. Então a Fox entregou a produção para o produtor Charles K. Feldman. Este escalou dois roteiristas muito experientes (John Le Mahin e Martin Rackin) para viabilizar o projeto que teria John Wayne como astro. Para dirigir esse filme que ninguém sabia o que seria foi contratado Richard Fleischer, diretor de “20 mil Léguas Submarinas” e “Vikings, os Conquistadores”. Fleischer pediu para ver o roteiro mas o roteiro não existia ainda. John Wayne pressionou o estúdio dizendo que tinha outros compromissos e não podia esperar mais. O diretor Richard Fleischer deu o ultimato à Fox e uma semana depois desistiu do projeto que não podia nem ser chamado de misterioso porque sequer existia. A Fox então chamou Henry Hathaway e lhe entregou a direção do filme. Hathaway quis ver o roteiro mas Lee Mahin e Rackin ainda trabalhavam nele. Estourou então uma greve dos roteiristas em Hollywood e a dupla de veteranos roteiristas cruzou os braços levando à loucura os executivos da Fox, Charles Feldman, Henry Hathaway e John Wayne.

Stewart Granger e Capucine;
John Wayne e Ernie Kovacs;
Capucine e Fabian - elenco
principal de "Fúria no Alasca"
UMA PORCARIA DE FILME – A essa altura sabia-se ao menos que o projeto seria um estranho western intitulado “Go North” e passado no Alaska. Feldman compôs o elenco principal com o inglês Stewart Granger, o comediante Ernie Kovacs que fazia sucesso na TV, o cantor Fabian que era mais um candidato ao trono de Elvis Presley, então vago porque o Rei do Rock estava cumprindo serviço militar na Alemanha. Para o principal papel feminino, muito antes do projeto ganhar forma já havia sido escalada a namorada de Feldman, a modelo francesa Capucine. Por exigência de Feldman a personagem de Capucine ganhou nacionalidade francesa e teve o nome mudado para Michelle, adaptando-se o roteiro à namorada do produtor Feldman. Quando começaram as primeiras tomadas ficou claro que John Wayne não simpatizara com Capucine e vice-versa, mas nenhum dos dois poderia sair do filme; John Wayne por razões de contrato e Capucine por razões de alcova. Henry Hathaway respeitava John Wayne mas com o resto do elenco o tratamento era outro, alguma coisa assim na linha de John Ford que quando cismava com um ator levava-o ao desespero. E a vítima de plantão foi Stewart Granger. Depois de levar meia dúzia de coices do diretor, Granger se queixou com John Wayne dizendo que não aguentava mais os modos de Hathaway. Duke respondeu a Granger que ele deveria dizer isso ao diretor e o inglês foi até onde estava Hathaway dizendo logo a ele: “Parece que você não gosta de mim, não é? Quem você pensa que é? Foi você quem dirigiu aquele filme no deserto com Sofia Loren, não foi? Sabe o que eu acho daquele filme? Ele é uma verdadeira...” Aí então Stewart Granger se lembrou que John Wayne era o ator desse filme (“A Lenda dos desaparecidos”) e se conteve. Duke disse a Granger: “O que você ia dizer mesmo sobre o filme?” Hathaway foi quem respondeu: “Parece que ele ia dizer que o filme é uma porcaria”. Wayne colocou o dedo no peito de Granger e perguntou: “Era isso que você ia dizer?” Granger colocou o dedo no peito de John Wayne e respondeu: “Era exatamente isso!” John Wayne voltou a colocar o dedo no peito de Granger e confirmou: “E você tem razão! Esse filme é uma porcaria!” e deu uma sonora gargalhada, no que foi acompanhado por Hathaway. Depois desse episódio Hathaway passou a respeitar Stewart Granger e em algumas cenas de “Fúria no Alasca” Duke e Granger colocam o dedo um no peito do outro...
 
Duke e Hathaway num intervalo de
"Fúria no Alasca"
DELICIOSA COMÉDIA - Alguns dias depois, terminada a greve dos roteiristas, Lee Mahin e Rackin apresentaram mais algumas páginas do roteiro e ficou claro que o filme seria um faroeste-comédia. O problema é que John Wayne nunca fora um ator de comédias. Podia quando muito se encaixar em cenas menos dramáticas, mas positivamente John Wayne sempre foi muito sem graça, sem nenhum talento para a comédia. Mas diretor de verdade consegue extrair de um ator aquilo que ninguém podia esperar e foi o que aconteceu em “Fúria no Alasca” (North to Alaska), que afinal recebera um título definitivo mas ainda sem o roteiro finalizado. Como aquilo que John Lee Mahin e Martin Rackin haviam escrito não agradara ninguém, foram convocados para colaborar no roteiro Claude Binyon, Ben Hecht e Wendell Mayes. Ninguém sabe ao certo quem escreveu o quê e quem foi o responsável pelos melhores e engraçadíssimos diálogos que fizeram de “Fúria no Alasca” o mais perfeito western-comédia. Quem pensar em “Banzé no Oeste” deve lembrar que o filme de Mel Brooks é uma debochada paródia. Se comparado a “Cat Ballou”, o filme de Hathaway ganha ares de obra-prima. Os diálogos de “Fúria no Alasca” são irresistíveis e excepcionalmente complementados pelas cenas de ação com lutas memoráveis, quesito em que Hathaway é mestre, e John Wayne acabou mostrando que tinha mais talento do que se imaginava.

John Wayne decididamente não gostou
de Capucine; percebe-se no filme
O NOVO JOHN WAYNE - Conta-se que John Ford, depois de assistir “Rio Vermelho”, exclamou referindo-se a John Wayne: “That son of a bitch can act!” (Esse filho da mãe sabe atuar). Certamente depois de assistir “Fúria no Alasca” Ford deve ter dito: “That son of a bitch can be funny!” (Esse filho da mãe pode ser engraçado!). Foi tão boa a atuação de John Wayne interpretando esse western-comédia que a carreira de Duke começou a mudar e na maioria de seus filmes seguintes, especialmente os faroestes, John Wayne apareceu mais descontraído e engraçado. Os próprios roteiros eram escritos dando oportunidade a ele de provocar algumas risadas na platéia e dar aos filmes aquela dose de alegria que o espectador recebe com prazer. O novo e engraçado John Wayne pode ser visto em “Os Comancheiros”, “Hatari”, “O Aventureiro do Pacífico”, “Quando um Homem é Homem”, “Gigantes em Luta”, “Eldorado”, “Bravura Indômita” e na série de westerns dos anos 70. Em todos eles Duke está bastante diferente do cowboy taciturno e de poucos amigos que caracterizou a maior parte de sua carreira, até atuar em “Fúria no Alasca” dirigido por seu amigo Henry Hathaway e aprender a ser também divertido.

Nenhum outro western foi mais divertido que "Fúria no Alasca"

5 comentários:

  1. Não suportei esse filme... Além do mais, o elenco é uma mistura louca... Sem falar do inexpressivo Stewart Granger.

    O Falcão Maltês

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  2. De fato; ver Duke em Rio Vermelho e em Rastros de Ódio e então comparar suas performances com Furia no Alaska e Quando Um Homem é Homem, vem muita diferença.
    E isto foi bom para a carreira do Duke, que já era boa, tornando-se melhor ainda.
    O que não é capaz de fazer um bom diretor, não?
    Quanto a A Lenda dos Desaparecidos este, apesar de não ser um arrasa quarteirões, não deixa de ser um filme bonito em cenário e com a beleza arrazadora de Loren. Além de ter o Duke e o Brazzi, que não conhecia. Estes requisitos já são o bastante para se ver o filme sem muitas reclamações.
    jurandir_lima@bol.com.br

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  3. Nunca pensei nesse filme como o "start" cômico na carreira de John Wayne. Bem sacado, Darci, mas continuo achando-o muito fraco.
    "O Pequeno Grande Homem", falando em humor, me parece infinitamente melhor, por exemplo.
    Um abraço.

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  4. Ivan, se bem me recordo, "O Pequeno Grande Homem" é um filme com tom bastante irônico, sarcástico mesmo, com personagens picarescos picarescos. Mas não é uma comédia, até porque trata de um assunto bastante sério que é o genocídio dos índios e a loucura de Custer. "Fúria no Alasca" é uma comédia no gênero western e engraçada do princípio ao fim.

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  5. Mas esse é o ponto, Darci. Posso citar outro faroeste, um clássico como "Da Terra Nascem os Homens", e a cena do desmaio de Gregory Peck no diálogo com a professora(Jean Simmons), como mais engraçada que qualquer uma de "Fúria no Alasca".
    Ao citar um filme que não carcteriza-se como comédia, mas possui cenas cômicas, realço apenas a discordância com o amigo sobre "Fúria no Alasca". Um abraço.

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