UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

25 de julho de 2012

MATAR OU MORRER (HIGH NOON) LANÇADO EM SÃO PAULO NO LUXUOSO CINE MARROCOS


Inaugurado no dia 25 de janeiro de 1951, o Cine Marrocos era considerado o mais luxuoso cinema da América Latina. A nova sala exibidora foi erguida na Rua Conselheiro Crispiniano, 344, ao lado do Quartel General do II Exército e a 100 metros do Teatro Municipal de São Paulo. O filme escolhido para a inauguração do Cine Marrocos foi “Memórias de um Médico”, estrelado por Orson Welles, produção da United Artists. Quase dois anos depois, os projetores do majestoso Cine Marrocos iriam colocar na tela o faroeste “Matar ou Morrer” (High Noon), filme cuja simplicidade contrastava drasticamente com a exuberância daquele palácio de inegável beleza e ostentação.


Cine Marrocos: escadarias, corredor de entrada,
fonte, laterais, salas de espera.
AUTÊNTICO PALÁCIO ORIENTAL - O escritor e jornalista Ignácio de Loyola Brandão disse certa vez que o Cine Marrocos foi construído no melhor estilo de apoteose mental... E o cinéfilo Loyola não estava muito longe da verdade. Se William Randolph Hearst resolvesse erigir um cinema talvez concebesse algo parecido com aquele cinema paulistano. O acesso ao Cine Marrocos se dava por escadarias com degraus em mármore Carrara, passando-se por um longo corredor onde o estilo mourisco nas paredes, piso e teto indicava a predominância da decoração de um palácio que em tudo lembrava as Mil e Uma Noites. O largo corredor que possuía nas paredes laterais delicadas decorações em relevo descrevendo cenas das mil e uma noites, levava ao hall de entrada. Neste havia uma pequena fonte em meio a uma estrela de oito pontas com piso ricamente decorado também em mármore. Transpondo-se um segundo e imenso portal chegava-se à ampla sala de espera com diversos conjuntos de poltronas em couro na cor bege clara, cada conjunto circundando grandes mesas de centro todas elas com os jornais do dia, parafusados em ripas de madeiras, para serem folheados pelos frequentadores. Sob os conjuntos de poltronas havia espessos tapetes com motivos obviamente orientais que juntamente com as cortinam compunham um visual apropriado para o Taj-Mahal. O principal detalhe da ampla sala de espera do Cine Marrocos era o glamuroso bar que mais lembrava aqueles espetaculares bares dos night-clubs vistos em filmes norte-americanos. Parecia até que a qualquer momento chegariam Humphrey Bogart e Claude Rains. No bar do Cine Marrocos o barmen impecavelmente vestido servia martinis e scotchs. Porém, irresistível mesmo naquele ambiente era saborear uma dose de Arak enquanto se admirava a elegância dos frequentadores, mais ainda das frequentadoras, belas e ricas mulheres habituês na coluna social do jornalista Tavares de Miranda. A sala de projeção era a mais moderna da cidade e as poltronas em couro azul escuro possuíam duas posições e largos descansa-braços para tornar as duas horas de filme o mais confortável possível. Frequentar o Cine Marrocos era algo muito próximo de um sonho, especialmente para aqueles acostumados com os cinemas dos bairros, muitos deles ainda com deformadores assentos de madeira.

Cine Marrocos, conjugação de luxo e funcionalidade na sala de projeção.

Acima Edward G. Robinson e Mervyn
LeRoy, participantes do Festival; abaixo
aspectos do interior do Cine Marrocos.
FESTIVAL DE CINEMA NO IV CENTENÁRIO DA CIDADE - Um dos mais importantes prêmios criados para o cinema nacional foi o ‘Saci’, outorgado por um júri formado por artistas, intelectuais e críticos, composto pelo jornal “O Estado de S. Paulo”. O ‘Saci’ premiava anualmente o melhor da produção brasileira na década de 50 e a grande noite de premiação ocorria sempre no Cine Marrocos. Em 1954, como parte da comemoração do IV Centenário da cidade de São Paulo, a Prefeitura Municipal organizou o I Festival Internacional de Cinema da Cidade de São Paulo. Houve durante o Festival as retrospectivas de Erich Von Stroheim, Alberto Cavalcanti e Abel Gance, que contou com as presenças dos três diretores. Além deles Federico Fellini, Billy Wilder, Mervyn LeRoy e Roberto Rosselini também marcaram presença, especialmente nos debates que ocorriam após a projeção de filmes. Entre os artistas mais famosos estiveram no Cine Marrocos Marilyn Monroe, Marlene Dietrich, Gregory Peck, William Holden, Edward G. Robinson, Bob Hope, Fred MacMurray, Joan Fontaine, Jeffrey Hunter, Barbara Rush, Rhonda Fleming, Jane Powell, Ann Miller, Michel Simon e Ninón Sevilla. Até mesmo Jorginho Guinle passou aquela semana em São Paulo. Ficaram todos os convidados hospedados no Hotel Jaraguá e à noite se reuniam no Cine Marrocos sem disfarçar o deslumbramento com a beleza do cinema. Pouco mais de um ano antes quem estivera na tela do Cine Marrocos foi Gary Cooper em “Matar ou Morrer”.

O MAIOR SUCESSO DE STANLEY KRAMER - Para muitos o Cine Marrocos está indelevelmente ligado à 20th Century-Fox, estúdio do qual foi por décadas o principal cinema lançador em São Paulo. Porém à época de sua inauguração o Cine Marrocos lançava os filmes da United Artists, estúdio que jamais esteve entre os grandes (Warner Bros., MGM, Paramount, Columbia, Universal e RKO). E “Matar ou Morrer” era uma produção relativamente barata da United Artists em associação com o jovem e já bem sucedido produtor Stanley Kramer. Com orçamento de 750 mil dólares (hoje menos de sete milhões de dólares), Kramer conseguiu contratar Gary Cooper por módicos 60 mil dólares. Mas o contrato rezava que o produtor teria que repassar ao ator 20% do lucro líquido do filme que se transformou num dos grandes sucessos de 1952. Em seu primeiro ano de exibição no mundo todo “Matar ou Morrer” faturou 18 milhões de dólares (hoje a nada desprezível quantia de 156 milhões de dólares), o que fez de Gary Cooper um homem ainda mais rico. Mas a receita brasileira de “Matar ou Morrer” certamente pouco contribuiu para o fantástico lucro do filme.

Em 1952, mesmo entre algumas obras-primas, quem fazia sucesso era Mazzaropi
com "Nadando em Dinheiro" sendo exibido em dezenas de cinemas, todos lotados.
Acima a Bolsa de Cinema da Folha de S. Paulo cotando "Matar ou Morrer"
com apenas 14,1% de ótimo e com 21,2% como um mau filme.

Gary 'Will Kane' Cooper
IMPRÓPRIO PARA MENORES DE 18 ANOS - É digno de risos, para quem passou a conviver com a violência e apelo sexual vistos nas últimas décadas não só no cinema mas também na televisão, descobrir que “Matar ou Morrer” foi liberado somente para maiores de 18 anos em 1952. Dois anos mais tarde, em 1954, o mesmo obscurantista Departamento de Censura Federal determinou que “Os Brutos Também Amam” fosse proibido para menores de 14 anos. E em 1956 aquele Departamento estipulou a censura de “Rastros de Ódio” igualmente para menores de 14 anos. Entre os três filmes, sem dúvida o estrelado por Gary Cooper é aquele com menor dose de violência, não contendo nenhuma insinuação a adultério como ocorreu nos outros dois faroestes estrelados por Alan Ladd e John Wayne. O que teria levado o censor a proibir “Matar ou Morrer” para menores de 18 anos somente sua medieval visão poderia responder. Mas o fato é que com esse tipo de censura o faroeste de Fred Zinnemann foi enormemente prejudicado, num tempo em que as famílias ainda iam juntas ao cinema. Por outro lado casais de namorados buscavam filmes mais românticos, sobrando para “Matar ou Morrer” apenas os fãs de faroestes ou aqueles que não perdiam filmes de Gary Cooper de jeito algum. Com isso “Matar ou Morrer” ficou apenas uma semana em cartaz no Cine Marrocos e nos demais cinemas da cidade que o exibiram naquela semana composta pela quinta-feira dia 30 de outubro até a quarta-feira seguinte, dia 4 de novembro.

UM WESTERN, UM SONHO - O carimbo do censor brasileiro impediu que adolescentes deixassem seus ricos cruzeirinhos nas bilheterias dos cinemas, mas a fama de faroeste superior de “Matar ou Morrer” e mais os quatro prêmios Oscar conquistados na premiação de 1953, referente ao ano anterior, obrigaram a sucessivos relançamentos desse magnífico western. Posteriormente, com a ajuda da televisão, VHS e DVD, “Matar ou Morrer” ganhou uma legião de novos admiradores de todas as idades. Nada mais justo para um filme tão influente que representou um marco no gênero. O western de Fred Zinnemman, mesmo visto hoje no mais high-tec home-theater, jamais dará ao espectador a sensação que foi tê-lo assistido no Cine Marrocos. A sensação incomparável que muitos westernmaníacos tiveram ao percorrer o longo e quase onírico trajeto entre as escadarias daquele cinema e a sala de projeção e lá chegando se refestelar nas macias poltronas azuis escuras. E continuando nesse glorioso momento, com as luzes apagadas, com o respeitoso e educado silêncio absoluto dos espectadores, ver brilhar na tela Katy Jurado, Grace Kelly, Thomas Mitchell, Lloyd Bridges, Lon Chaney Jr., Lee Van Cleef, Robert J. Wilke, Sheb Wooley. E mais que todos eles, o heróico Will Kane de Gary Cooper mostrando aos cidadãos de Hadleyville o que é ser homem de verdade, atirando ao chão sua estrela de lata e virando as costas a tanta covardia. Assim como já não há mais templos cinematográficos como o Cine Marrocos, não há mais atores como Gary Cooper e nem filmes como “Matar ou Morrer”.

Nota do Editor – O Cine Marrocos pertence atualmente à Prefeitura Municipal de São Paulo. Após haver sido tombado o prédio abrigará futuramente as instalações da Secretaria Municipal de Educação.



8 comentários:

  1. Qual o endereço exato do Cine Marrocos? Não conheço...

    O Falcão Maltês

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  2. O Cine Marrocos fica na Rua Conselheiro Crispiniano, a 100 metros do Teatro Municipal de São Paulo e a 50 metros da Avenida são João, próximo do Cine Art-Palácio. - Darci

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  3. Havia, de fato, esta liação cinema/distribuidora.
    Aqui em Salvador o cine Guarany, mais tarde Cine Glauber Rocha, distribuia os filmes da Fox, quase que exclusivamente.

    Ir à estréia de um filme era como se ir ao futebol nas lindas tardes de domingo e onde o prazer era pura garantia.

    Os cinemas dos anos 50 eram verdadeiras obra de arte. Era como se desejassem competir um com o outro em beleza de estilo, luxo, conforto e plasticidade.

    Além do mais eram enormes, com poltronas acolchoadas , todos com potentes ar condicionado, onde o luxo e a classe ponteavam como se num desfile de modas, tal as vestes luxuosas com que, normalmente, os pares se apresentavam e aguardavam calmamente o fim das sessões nas belissimas salas de espera.

    Geralmente a distração nestes espaços eram os cartazes berrantes dos filmes a serem lançados. Já conheciamos tais lançamentos com até meses de antecedencia e, já ali a angustia se iniciava pela espera da fita.

    Num silencio quase que sepulcral, todos acorriam para tais cartazes, com ânsia nos semblantes, olhos atentos e semblantes ávidos, geralmente em meio a um comentário leve e gentil com seu par, num modesto comentário sobre a espetacular propaganda do filme por vir.

    Tudo muito diferente, classico, educado e prazeiroso, já que o crime ainda não permeava como hoje e as sessões das 22hs. eram tão frequentadas quanto as das 14 ou 20 hs.

    Hoje temos tudo isso no conforto do lar, onde os sofás acolchoados substituem as poltronas, as TVs de telas enorme tomam os lugares dos vastos telões, os DVDs substituem com conforto e segurança os celuloides, o ventilador ou o aparelho de ar condicionado nos amolece e finca-nos no local ao lado do aparelho de controle remoto, que nos condiciona a administrar as sessões ao nosso bel prazer.

    Porém, nada como o sentimento e a preparação para se ir ao cinema. Desde a idéia do convite companheiro ou amigo, passando pela escolha das vestes, da locomoção até o local, da fila para a compra dos ingressos, da aquisição das goluseimas a ser consumida durante a projeção e a delicia de se penetrar num recinto onde o momento foi previamente planejado.
    Era algo assim como se a realização modesta, mas muito agradável, de um sonho realizado.

    Rarissima sensação de um prazer que quase mais não se sente e tal qual seu declinio se acentua mais a cada dia que passa.
    jurandir_lima@bol.com.br

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  4. Tinhamos em Salvador, nada menos que oito ou dez cinemas de alta ou altissima qualidade. Muitos deles fazendo parte de um grupo, como o Tamoio, Tupy, Guarany, ou não, como os luxuosissimos Liceu, Excelsior, Capri, Bahia.

    Havia também o Cine Art, que somente lançava filmes europeus, assim como os populares St. Antonio, Aliança, Pax, Jandaia e Papular, onde até de fora se ouviam os disparos dos tiros e gritaria nas fitas de faroeste.

    Isso sem falar nos cinemas de bairro, cada um ostentando como podiam a qualidade de suas salas ou os lançamentos, que muitas vezes impediam que o espectador se movesse dali para o centro.

    Dentro desta linha tinhamos o Roma, o Itapagipe, o Bomfim. Cinemas que normalmente exibiam os filmes mais movimentados para segurar seu publico cativo.

    Havia portanto uma gama de salas para serem consumidas durante a semana, com fitas de todos os gostos e qualidade.
    Festa e lazer acima de garantidos.
    jurandir_lima@bol.com.br

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  5. Darci;

    Não é impressão minha não. Pode reparar como o James Stewart mostra-se sem ambiente em meio ao tirano Ford e seu astro preferido John Wayne.

    A fisionomia do Jimmy é de quem diz para si mesmo; "mas que diabos estou eu fazendo aqui?"

    Outro detalhe é que pressinto ser uma foto dos idos de 61/62, quando faziam Libert Valence, um dos ultimos filmes do homem que dizia fazer faroestes, mas que se deu muito melhor fora deles (Como Era Verde Meu Vale, Depois do Vendaval, Vinhas da Ira, O Delator, O Furacão, Mogambo, Mr. Roberts, O Ultimo Hurra, dentre mais alguns outros), e onde observo o Jimmy um pouco mais envelhecido que no filme, a não ser que esteja maquiado para a parte em que volta para o funeral do amigo Duke. Sim, isto é possível.
    Observe com atenção e confirme minha suspeita.

    Outra coisa que observo é que em momento algum do filme de 62 o Duke usa vestimenta semelhante à que está trajando. A não ser que não se trate do filme que imagino, enquanto o Jimmy, que faz um advogado, está vestido como tal.

    Ou a cena não está correlacionada a Libert Valence?
    jurandir_lima@bol.com.br

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  6. Jurandir - Essa foto é famosa e há outros flagrantes do mesmo momento em que a expressão de James Stewart não está tão carregada. A foto foi feita durante as filmagens de O Homem que Matou o Facínora. James Stewart só foi destratado por John Ford uma única vez e fala com enorme carinho e respeito do Pappy. Ford o chamou depois para Crepúsculo de uma Raça.
    Depois do Vendaval e Vinhas da Ira estão entre os grandes trabalhos de Ford, na minha opinião. Os demais que você citou estão bem abaixo e é difícil aceitar comparação de filmes como Mogambo e Mr. Roberts com Legião Invencível, Liberty Valance, Paixão dos Fortes, Caravana de Bravos e No Tempo das Diligências. Falar de Rastros do Ódio seria covardia. Você decididamente não admira os westerns de John Ford e sua opinião será sempre respeitada.
    Darci

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  7. Darci;

    Não se trata de não gostar dos westerns do Ford. Não é nada disso e eu, como um critico de cinema, jamais poderia utilizar de um critério deste sobre um homem que foi uma lenda do cinema.
    O meu caso com ele, o John Ford, não é esse e sim a desumanidade de que ele sempre foi dono, o desrespeito que ele sempre utilizou, como o poderoso que era, no tratar com seus atores e pessoal de trabalho, o insensível que era e que, mesmo ajudando muita gente, também utilizou de seu poder para prejudicar, ou tentar, muitos deles.
    É isso que não perdoo no seu bruto comportamento e não seu trabalho, que sempre primou por fazer filmes do genero que amo.

    Gosto sim dos seus faroestes, embora não tenha a sanha de enaltece-los ao ponto que o companheiro o faz. Todos temos o direito de ter nossas preferencias individuais, não? Entretanto, não posso e não sou hipócrita a ponto de malhar ou criticar filmes como um Rastros de Ódio, O Homem que Matou o Facinora ou um Legião Invencivel, uma das mais belas fotografias de todos os seus filmes.

    Porém, não valorizo além do que acho que devo Forte Apache, Rio Bravo e No Tempo das Diligencias, que não são fitas ruins de forma alguma, mas que, da mesma forma que o companheiro redator não dá estimas àqueles citados acima depois de Vendaval e Valence.
    Observa como, da mesma forma que não privilegio alguns filmes, o companheiro age de forma paralela? Mais que natural estas atitudes. O Ford, como profissional, nada tem com minha aversão por ele por seu comportamento pessoal. E diferente.

    Cinema é assim. Enquanto uns estigmatizam peliculas de valores altissimas para uns, outros põe valores muito altos em diversas que não são tão positivas para muitos. Isso faz parte de algo muito simples; simpatia, primazia, gostar, valorizar o que nos invade com graça e nos faz bem e o que arrastam-nos a promover palestras agradáveis e uteis como esta.
    Jurandir_lima@bol.com.br

    Não acha que estou certo desta vez?
    jurandir_lima@bol.com.br

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  8. A propósito, eu tenho uma versão do filme - MATAR OU MORRER colorizado, muito bom.

    janclerques
    www.vivagringo.blogspot.com

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