UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

22 de julho de 2012

SHANE (OS BRUTOS TAMBÉM AMAM) RELEGADO A UMA SEMANA DE EXIBIÇÃO EM SEU LANÇAMENTO EM 1954


Passado mais de um ano de seu lançamento nos Estados Unidos, "Os Brutos Também Amam" (Shane) era um dos lançamentos mais aguardados no Brasil no ano de 1954.  Os ecos de seu sucesso nos States e a antecipada e contínua execução de seu bonito tema musical nas rádios brasileiras mais aumentava a ansiedade dos cinéfilos do maior país ao Sul do Equador. Alan Ladd era um astro bastante querido pelo público e George Stevens um cineasta admirado pela crítica especializada que recentemente havia sido arrebatada por “Um Lugar ao Sol”, por ele dirigido. Depois de longa espera, finalmente no dia 14 de junho de 1954 "Os Brutos Também Amam" estreou em São Paulo.

Acima a fachada do Cine Art-Palácio quando
ainda era o UFA Palácio; nas outras fotos
as modernas e funcionais linhas
arquitetônicas de Rino Levi.
O MODERNÍSSIMO CINE ART-PALÁCIO - A distribuição no Brasil dos filmes da Paramount ficava a cargo do Circuito Serrador e pode-se dizer que ocorreu uma gritante falha na escolha do cinema para o lançamento do esperado western de George Stevens. O cinema escolhido foi o Cine Art-Palácio, na Avenida São João, que era um dos principais cinemas da cidade, ainda que já tivesse perdido um pouco do seu prestígio inicial. Inaugurado no ano de 1936, o Art-Palácio recebeu o nome de UFA Palácio, concebido que fora para ser o lançador dos filmes produzidos pela distribuidora alemã Universum Film AG (UFA). Com o advento da II Guerra Mundial o cinema alemão praticamente deixou de existir e era inconcebível a manutenção de tamanho símbolo do poder germânico em pleno centro de São Paulo. Passando a lançar filmes europeus distribuídos no Brasil pela Art-Filmes, o cinema teve seu nome mudado para Art-Palácio, nome que conserva até hoje. Uma das principais distinções do Cine Art-Palácio era o exuberante design do arquiteto Rino Levi, com linhas modernistas que impressionavam pela limpeza e funcionalidade. O Art-Palácio se tornou uma referência para salas exibidoras pois o projeto de Rino Levi não só era belíssimo esteticamente mas também perfeito quanto à visibilidade, acústica, circulação de ar e acessibilidade. Rino Levi colocou um fim no estilo rococó que imperava desde o início do século nas casas exibidoras e da quais os cines Metro eram o maior exemplo de gosto duvidoso. No Art-Palácio o público se distribuía pelas 1.860 poltronas e pelos balcões que acomodavam mais 1.279 lugares, totalizando 3.119 espectadores. Nada mal para receber o cavaleiro dos vales perdidos Alan Ladd.

Filmes lançados antes e depois de "Os Brutos Também Amam"
no disputado Cine Art-Palácio, em São Paulo.

PROGRAMAÇÃO SEMANAL - Havia um problema com o Art-Palácio, problema referente à programação pois independentemente do sucesso do filme exibido, o cinema alterava sua programação semanalmente. Na semana anterior ao lançamento de "Os Brutos Também Amam" foi lançado no Art-Palácio o drama "A Um Passo da Eternidade". Com Burt Lancaster, Frank Sinatra, Montgomery Clift e Deborah Kerr, no elenco que tinha ainda o quase desconhecido Ernest Borgnine, esse filme vinha de estrondoso sucesso de público nos Estados Unidos, chegando ao Brasil com nada menos que oito prêmios Oscar recebidos num total de 13 indicações. Mesmo assim, num aparente erro de marketing "A Um Passo da Eternidade" foi lançado no Art-Palácio para a rotineira permanência semanal, sendo o lançamento concomitante com o circuito de cinemas de bairros. Em seguida "A Um Passo da Eternidade" passou a ser exibido no Cine Ópera, cinema próximo ao Art-Palácio (Rua Dom José de Barros) mas com prestígio bastante inferior. O mesmo aconteceu com "Os Brutos Também Amam" que teve direito a sua semana de lançamento no Art-Palácio e no Cine Broadway (Avenida São João) e circuito de bairros dos cinemas da Cia. Serrador. A prestigiosa resenha semanal de filmes do jornal “O Estado de S. Paulo”, destacou em sua edição de 16 de junho de 1954 “Os Brutos Também Amam” como o lançamento mais importante da semana, dizendo tratar-se de “um western de exceção, pela originalidade da narração”.

Fachadas do Cine Broadway (em maquete), situado na Avenida São João
e Cine Ópera, que ficava na Rua Dom José de Barros.

A Cinelândia Paulistana foi um festival de faroestes
em julho de 1954. Acima cartazes de alguns dos
muitos westerns exibidos.
WESTERNS E MAIS WESTERNS - Considerado quase que unanimemente um dos mais perfeitos faroestes já produzidos, "Os Brutos Também Amam" logo em seu primeiro ano de exibição havia alcançado o status de clássico. Os espectadores percebiam que não se tratava de um western comum, mas sim de um filme para ser lembrado por muitos anos, um daqueles que merecem entrar na lista dos filmes inesquecíveis. Assim como "A Um Passo da Eternidade", "Os Brutos Também Amam" certamente merecia um lançamento em sala de maior destaque que fizesse justiça a sua qualidade artística. Porém, como foi visto, a estratégia da companhia distribuidora do espanhol Francisco Serrador obedecia às exigências de mercado da época, tempos em que o número de filmes produzidos era muito grande e os lançamentos de qualidade se atropelavam. Esse saudável 'problema' fazia com que, não raro, espectadores fossem aos cinemas duas ou três vezes por semana, o que justificava a rapidez com que filmes importantes entravam e saiam de cartaz. Fãs de faroestes, por exemplo, tiveram que se desdobrar naquele mês de junho de 1954 para dar conta de assistir aos lançamentos de “Tráfico de Bárbaros” (com Rod Cameron), “A Renegada” (com Audrey Totter), “Mais Forte que a Lei” (com Dale Robertson), “Conquista de Apache” (com John Hodiak), “Sob o Comando da Morte” (com Guy Madison), “Código de Guerreiro” (com James Craig) e “Alçapão Sangrento” (com George Montgomery), sem esquecer que muitos assistiram a "Os Brutos Também Amam" repetidas vezes. 

Os campeões de bilheteria entre os faroestes nas
décadas de 40, 50 e 60.

SUCESSO ETERNO – “Os Brutos Também Amam” deu lugar no Art-Palácio ao capa-espada inglês “Entre a Espada e a Rosa” (com Richard Todd) e na sequência a “A Carga dos Lanceiros” (com Paulette Goddard), duas aventuras que praticamente ninguém mais lembra. Exibiu em seguida “Cidade Sem Lei” (com Errol Flynn), programa muito mais atraente.  O western de George Stevens custou em valores atualizados 27 milhões de dólares, tendo rendido no primeiro ano de exibição nos Estados Unidos 78 milhões de dólares. Essa quantia é duplicada com a receita obtida no resto do mundo, totalizando quase 160 milhões de dólares, o que fez de "Os Brutos Também Amam" o terceiro filme de maior bilheteria em 1953/4, atrás apenas de "A Um Passo da Eternidade" e de "O Manto Sagrado". Nos anos 40 o western de maior sucesso foi "Duelo ao Sol"; nos anos 60 "Butch Cassidy e Sundance Kid"; entre esses dois blockbusters, fulgura nos anos 50 "Os Brutos Também Amam" como o faroeste mais querido pelo grande público. Independentemente de sua qualidade artística, "Shane" fez com que os espectadores de um modo geral, passassem a respeitar esse gênero de filmes que é mais desprezado que qualquer outro e raramente elevado ao patamar de obra de arte cinematográfica.

Acima o LP com a trilha sonora de "Os Brutos Também
Amam" e foto de Victor Young; abaixo LP de dez polegadas
de Osny Silva com a faixa "Cavaleiro Errante"; LP do
grupo The Jordans com a faixa "Shane" que não é outra
senão "The Call of the Far-Away Hills".
DAS TELAS PARA A JOVEM GUARDA - A canção-tema de "Os Brutos Também Amam", de autoria de Victor Young e Mark David, intitulada "The Call of the Far-Away Hills", embora apenas orquestrada, fez enorme sucesso no Brasil em 1953 e em 1954. Sem dúvida essa foi uma música que levou o público a se identificar com o filme, o que era comum num tempo de excepcionais compositores. A gravadora Odeon acreditou que a canção teria um sucesso ainda maior se fosse feita uma letra em Português, o que aconteceu com versos de autoria de Giuseppe Ghiaroni. A canção recebeu o título de “Cavaleiro Errante” e foi gravada pelo vozeirão do cantor Osny Silva. Apresentado como “A Mais Bela Voz do Rádio Paulista”, Osny Silva não conseguiu repetir o sucesso da gravação da Orquestra de Victor Young, não conseguindo com seu “Cavaleiro Errante” chegar às paradas de sucesso. O público preferiu mesmo assoviar e cantarolar a melódica canção de Victor Young. Dez anos mais tarde, no início do movimento chamado 'Jovem Guarda', a canção "The Call of the Far-Away Hills" foi gravada em 1964 pelo conjunto The Jordans no LP 'Surfin' with The Jordans' que preferiu simplificar o título da canção chamando-a de “Shane”.

Capas do vídeo-disco, VHS e DVD de
"Os Brutos Também Amam"; abaixo
o crítico Paulo Perdigão,
apaixonado por "Shane".
SHANE DENTRO DE NOSSAS CASAS - Se os representantes da Paramount no Brasil e Francisco Serrador erraram ou não no lançamento de "Os Brutos Também Amam" é uma questão de menor importância. O certo é que o western de George Stevens se revelou posteriormente um daqueles fenômenos avassaladores e após seu lançamento em 1954 ocorreram sucessivas reprises nos anos seguintes. Na década de 60 o filme praticamente desapareceu dos cinemas não tendo direito a uma significativa reprise. Como nesse tempo a televisão já exibia filmes mais  antigos, a TV acabou se incumbindo de apresentar "Os Brutos Também Amam" aos mais jovens e presentear os saudosos com as bem-vindas revisões. O crítico Paulo Perdigão sempre foi um dos maiores admiradores de "Shane", como ele gostava de chamar "Os Brutos Também Amam", abominando esse título nacional. Guindado à função de programador da TV Globo, Paulo Perdigão programava "Shane" pelo menos uma vez por ano, chegando a dizer que se pudesse o exibiria semanalmente. As exibições de "Shane" na TV aumentaram o número de admiradores do filme e quando na década de 80 ele foi lançado em VHS, tornou-se uma das fitas inicialmente mais copiadas. “Shane” foi um dos poucos faroestes lançados também em vídeo-disc nos Estados Unidos. Com a chegada do DVD e com ele a merecida qualidade de imagem e som remasterizados o público pode então constatar a beleza das imagens de "Os Brutos Também Amam". Pode também se enternecer com o drama das famílias de rancheiros que se estabeleciam no Wyoming aos pés dos montes Tetons e com o amor e a amizade que brotou no coração de seus personagens principais. E pode descobrir a perfeição coreográfica das cenas de ação filmadas por George Stevens. Tudo isso, embalado pela música de Victor Young só não se torna um prazer maior que aquele que devem ter sentido os afortunados espectadores que entraram no Cine Art-Palácio naquela segunda-feira, 14 de julho de 1954 (e nos outros seis dias seguintes), para se emocionar com "Shane". 



4 comentários:

  1. Ao contrário de Rastros de Ódio, que não ouvira falar até me entender como gente, Shane já era decantado nas reuniões de pessoas mais velhas que ficavam a falar de cinema para os mais novos.

    Assim como Shane, falavam muito também de Quo Vadis, Nenhuma Mulher Vale Tanto, e de muitos filmes nacionais com Oscarito.

    Eles falando dos filmes e nós, menores, vidrados de inveja e loucos para saber mais sobre os conhecimentos deles.

    E era aí que eles, achando-se mestres, conhecedores da arte, se soltavam.
    Era bom, porque eram noites onde nada tinhamos para fazer e, falar do que gostavamos, era somente prazer às nossas ávidas curiosidades.

    Portanto, desde os idos de 55 eu já conhecia o titulo Os Brutos Também Amam, enquanto Rastros de Ódio somente muito mais tarde o descobri.
    jurandir_lima@bol.com.br

    ResponderExcluir
  2. De fato, Os Brutos Também Amam sempre carregou uma enorme fama, muito provavelmente pelo sucesso que fez através dos anos 50. O mesmo aconteceu com Duelo ao Sol e Matar ou Morrer, que eram os faroestes que eu mais lembro de serem comentados na minha infância/adolescência. Consegui ver High Noon e Shane ainda nos anos 50, mas Duelo ao Sol este foi mais difícil. Metido a besta que eu era, fiz até uma crítica depois de ver Matar ou Morrer, nos meus 15 anos. Daria tudo para ler as bobagens que devo ter escrito, mas não guardei a tal crítica, perdida entre tantas coisas boas que a gente perde na vida. Como diria um cowboy francês, c'est la vie...
    Darci

    ResponderExcluir
  3. Darci;

    Quando jovens não temos a sensibilidade de imaginar o quanto de valor poderiam vir a ter tudo aquilo que desprezados, que jogamos fora.

    Também fiz isso e, por este gesto, vivo me lamentando.
    É por essa razão que analteço e aconselho a quem tem seus acervos os protegerem, os manterem, os preservarem. Isto porque eles são um tesouro que eles têm nas mãos tão valioso o quanto não imaginam.

    Eu tinha uma mala/bau. E ela vivia cheinha de recortes, albuns, jornais com as parte de filmes, pedaços de fitas, fotos, revistas e muito mais.

    Mas me desfiz de tudo, menos um caderno com algumas anotações dos anos sessenta.
    E este caderno é uma verdadeira joia, um tesouro, algo tão valioso que chego a ficar bobo com o entusiasmo e alegria quando o amostro aos amigos da época.
    Lá estão muitos nomes deles com datas. E até fotos antigas de quando éramos jovens eu tenho algumas.
    jurandir_lima@bol.com.br

    ResponderExcluir
  4. Olá, Darci!

    Muito interessante saber dos detalhes da repercussão de Shane na época de seu lançamento em São Paulo e no Brasil. Quem dera eu pudesse ser um daqueles expectadores do Cine Art-Palácio ou de qualquer outro cinema em 1954. Mas ainda faltavam 29 anos para minha existência.
    Vi que você publicou a capa do disco do grupo The Jordans na sua resenha. Como bom fã de rock instrumental que sou, admirador de bandas e artistas como The Shadows, The Ventures e Dick Dale, também me tornei fã dos Jordans, pois é a banda que trouxe o som desse pessoal para o Brasil. Me tornei amigo do baterista Foguinho via internet e antes mesmo de ir para São Paulo ele me enviou pelo correio um DVD comemorativo dos 50 anos da banda. Em São Paulo pude conhecê-los pessoalmente e assistir a três de seus shows. Tenho algumas coletâneas dos Jordans e inclusive um destes CDs (o que tem o tema de Shane) está autografado por todos eles. Foi a única banda brasileira cujos integrantes tiveram o privilégio de conhecer os Beatles, em 1967 numa turnê pela Inglaterra, justamente na fase mais áurea de ambas as bandas.
    Um abraço!
    Thomaz!

    ResponderExcluir