UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

28 de fevereiro de 2013

O DÓLAR FURADO ENFRENTA O DOUTOR JIVAGO PELO TÍTULO DE CAMPEÃO DE BILHETERIA



Poster original do lançamento
de "O Dólar Furado".
Numa segunda-feira, dia 2 de maio de 1966, os Cines Coral e Windsor, cinemas da já decadente Cinelândia Paulistana, estrearam um faroeste intitulado “O Dólar Furado”. O espectadores menos avisados até podiam acreditar que se tratava de mais um western norte-americano pois os cartazes anunciavam como ator principal Montgomery Wood e como coadjuvantes Evelyn Stewart e Peter Cross. Outros cartazes diziam ainda que aquele era “o maior western de todos os tempos” e que “as mulheres vão gostar e os homens vão temer”. Não poupando superlativos, podia-se ler ainda que “este filme bateu o recorde de bilheteria no mundo inteiro” e de forma mais honesta avisavam que: “Itália vence Hollywood no gênero bang-bang!”. Nessa mesma semana de maio de 1966 quatro importantes cinemas de bairros (Pigalle, Fiametta, Bruni Vila Mariana e Bruni Santo Amaro) também passaram a exibir “O Dólar Furado”, assim como o Cine St. Tropez, na Rua Aurora, cinema que ficava próximo à Av. São João. Em Eastmancolor e Cinemascope, “O Dólar Furado” tinha como diretor Kelvin Jakson Paget, que assim como Montgomery Wood era um ilustre desconhecido para qualquer cinéfilo. Mas não precisou de mais de uma semana para que “O Dólar Furado” se tornasse a principal atração cinematográfica da cidade.


O crítico Orlando Lopes Fassoni.
O.L. Fassoni fala do faroeste italiano - Nessa época o jovem jornalista Orlando Lopes Fassoni era o resenhista de cinema da “Folha de S. Paulo” e escreveu este texto sobre “O Dólar Furado” na página dominical do caderno ‘Ilustrada’ que anunciava os novos filmes: “O argumento deste filme no qual um irmão jura vingar a morte do outro, após terminada a Guerra Civil, não impressiona ninguém. Não existem atores conhecidos e o diretor é daqueles que seguem rigorosamente as ordens da produção. Mas as cores são bem jogadas. “O Dólar Furado” é um dos primeiros da série de westerns que o cinema italiano vem produzindo para concorrer com os norte-americanos. Pode agradar pelo gênero, pela quantidade de tiros disparados e por não conter tanta poeira como no Oeste norte-americano”. O querido Fassoni estava razoavelmente informado ao falar do filme e acertou quando afirmou que aquele faroeste poderia fazer sucesso. Outros exemplares da produção italiana de faroestes já haviam sido lançados no Brasil, embora a palavra western-spaghetti ainda não fizesse parte do vocabulário cinematográfico, como se pode ver pelo texto de Fassoni.

Os filmes de arte do Cine Coral, aquele que apresentava
'sempre um filme excepcional'.
24 semanas no Cine Coral - O Cine Windsor era um dos mais luxuosos da capital paulista e foi inaugurado com o lançamento de “El Cid”, em 1962. Nessa sala “O Dólar Furado” permaneceu três semanas em exibição. Já o Cine Coral, cujo slogan era “Sempre um filme excepcional”, era, de certa forma, o cinema preferido da intelectualidade paulistana. Lá foram lançados “La Dolce Vita” e “Fellini 8 1/2”. O Cine Coral era o espaço no qual eram exibidas as aguardadas semanas de cinema europeu, nas quais a cada dia era projetado um filme diferente. No Cine Coral foi exibido pela primeira vez em São Paulo “O Demônio das Onze Horas” (Pierrot Le Fou), de Jean-Luc Godard. Jamais naquela sala, com quase uma década de existência, um filme conseguira permanecer em exibição por mais de dez semanas, recorde obtido justamente por “La Dolce Vita”. Isso porque o público do chamado 'cinema de arte' nunca foi muito numeroso. Esse recorde de dez semanas foi superado com a longa permanência em cartaz de “O Dólar Furado” devido ao impressionante sucesso de público que lotava o Cine Coral todos os dias da semana, mesmo nas sessões vespertinas. Esse faroeste italiano só foi retirado de exibição no Cine Coral no dia 17 de outubro, após 24 semanas (quase seis meses) de exibição, constituindo-se no faroeste de maior sucesso de todos os tempos na Cinelândia Paulistana.

“Doutor Jivago” enfrenta “O Dólar Furado” - Entre os filmes de sucesso em São Paulo, “O Dólar Furado” teve um rival que foi “Doutor Jivago”, lançado no dia 13 de julho de 1966 no Cine Metro. Um enorme cartaz na frente desse tradicional cinema anunciava a exibição do drama de David Lean que concorreu ao prêmio Oscar em dez categorias, vencendo em cinco delas. O filme “Doutor Jivago” foi levado ao cinema precedido de enorme publicidade pois Boris Pasternak,  autor do livro em que se baseou o filme, havia sido obrigado pelo regime soviético a renunciar ao Prêmio Nobel de Literatura. E Pasternak acabou falecendo pouco depois, em 1960. Em tempos de Guerra Fria esses fatos foram bastante explorados pela imprensa mundial, especialmente pela norte-americana. E o filme “Doutor Jivago” não fez feio pois parecia não mais querer sair de cartaz, sempre no Cine Metro, dando a impressão de estar concorrendo com “O Dólar Furado”. Quando este chegou à 24.ª semana consecutiva de exibição no Cine Coral, “Doutor Jivago” estava na 14.ª semana no Cine Metro. “O Dólar Furado” saiu de exibição e aparentemente “Doutor Jivago” iria ganhar a batalha de maior sucesso de público de 1966 em São Paulo. Mas um fato inusitado, jamais ocorrido em São Paulo e quiçá no mundo todo, estava para acontecer.

Mais dólares no mercado de faroestes - Depois de quase seis meses em exibição numa das maiores e mais respeitáveis salas de cinema de São Paulo (o Cine Coral) e de ser retirado de cartaz, os exibidores ouviram reclamações do público que exigiam o retorno de “O Dólar Furado” aos cinemas. Nesse ínterim, exatamente em 5 de setembro de 1966, foi lançado em São Paulo outro faroeste produzido na Itália que se tornaria lendário. Esse filme era igualmente estrelado por um ator quase desconhecido chamado Clint Eastwood e tinha como diretor um certo 'Bob Robertson'. Intitulava-se, “Por um Punhado de Dólares”. O público fazia comparações entre esse filme e “O Dólar Furado”, discutindo qual dos dois era o melhor. Os bem informados jornalistas, por sua vez, já haviam divulgado que esses e outros faroestes eram diferentes porque produzidos... na Itália, apesar dos nomes ingleses de atores, diretores e técnicos. No dia 3 de dezembro de 1966, quando “Por um Punhado de dólares” já estava na 13.ª semana consecutiva de exibição e “Doutor Jivago” se eternizava no Cine Metro, ocorreu o relançamento de “O Dólar Furado” no Cine Éden. Essa sala exibidora ficava na Avenida São João, próximo ao Cine Metro e a ‘briga’ com “Doutor Jivago” continuou. O filme estrelado por Omar Shariff já estava na 20.ª semana de exibição e “O Dólar Furado” reiniciava sua caminhada de sucesso, agora no Cine Éden, onde permaneceu por mais 14 semanas, totalizando 38 semanas, ou oito meses em cartaz, como se dizia naquele tempo.

Vencedor moral - “Doutor Jivago” encerrou sua carreira com 49 semanas consecutivas em exibição, 47 delas no Cine Metro e as duas últimas no Cine Scala. Foi, certamente, um dos filmes com maior tempo de permanência em exibição em São Paulo. Por sua vez, o bang-bang italiano dirigido por ‘Kelvin Jackson Paget’, se considerado seu custo e a quase nenhuma publicidade que teve, foi o ‘vencedor moral’ desse embate surdo. Nenhum outro faroeste fez tanto sucesso em São Paulo, constituindo um novo público que passou a exigir mais e mais faroestes com aquele estilo, muito diferentes dos norte-americanos. “Shenandoah”, “Juramento de Vingança”, “Os Filhos de Katie Elder”, “Nevada Smith”, “Raça Brava” e outros faroestes produzidos nos Estados Unidos e exibidos naqueles meses de 1966/67 não conseguiam permanecer mais que duas ou três semanas em exibição, enquanto filmes que tinham a palavra 'dólar' no título ficavam semanas em cartaz e sempre com casas cheias. Curiosamente, com raríssimas exceções, a crítica cinematográfica detestava os faroestes made-in-Italy, o que não diminuía a procura do público pelos novos heróis que se multiplicavam com nomes diabolicamente estranhos como Django, Sartana e Sábata.

Semanalmente o público era brindado com faroestes made-in-Italy;
alguns vinham da Espanha.

Orlando Lopes Fassoni, falecido em 2010
em São Paulo, aos 67 anos.
O desabafo do crítico - Já menos simpático com a safra de faroestes europeus, o saudoso Orlando Lopes Fassoni escreveu no caderno ‘Ilustrada’ da Folha de S. Paulo em 24/09/1967, na resenha apresentando “Quatro Dólares de Vingança para Ringo” (I Dollari di Vendetta per Ringo), lançado coincidentemente no Cine Coral: “O western é o mais antigo gênero de cinema, nascido há pouco mais de 60 anos com “The Great Train Robbery” e nele se inclui a própria história dos Estados Unidos, na parte que diz respeito à colonização heróica. Há uma dramaturgia no western norte-americano. Há coerência no desenrolar da história, há o conflito dramático, há o mito. Mas que diabo tem a ver com isso os westerns europeus, os ‘oriundi’? Nada, absolutamente nada. No entanto, eles invadiram o mercado, aqui e além: na Alemanha, na Itália e até nos Estados Unidos. O pior é que a invasão não cessa, porque tem admiradores, atraem, faturam muito (não apenas quatro dólares ou um dólar furado). Esse que entra em circuito é um deles. Como os outros rodados nos campos da Espanha e nos estúdios de Cinecittà, oferece a quem gostar violência gratuita, sem qualquer motivo, e um falso herói do oeste, Ringo. Nenhuma autenticidade, nenhum sentido dramático, nenhum respeito pela coerência fílmica. Uma sucessão de tiros e mortes, com mexicanos no meio, de onde Ringo se sai muito bem. John Ford, Anthony Mann, William Wyler, jamais sonhariam com isso. Italianos e espanhóis contando histórias de Buffalo Bill, de Dodge City, de Forte Apache, do OK Corral, de Wyatt Earp, de Doc Holliday, dos Apaches, dos Cheyennes, do General Custer, de Touro Sentado. Enquanto houver filas para westerns como esses, eles aí estarão. Enquanto renderem ‘um punhado de dólares’, não nos livraremos deles”.  



26 de fevereiro de 2013

O RETORNO SANGRENTO (The Ride Back) – ANTHONY QUINN EM UM PEQUENO WESTERN


Anthony Quinn em "A Estrada da Vida"
(foto maior), "Lawrence da Arábia",
"Os Canhões de Navarone" e como boxeador
em "Réquiem para um Lutador".
Anthony Quinn foi um dos mais notáveis atores do cinema de todos os tempos. Sua filmografia é de fazer inveja a, por exemplo, Jack Nicholson e Daniel Day-Lewis, que juntos possuem seis estatuetas da Academia de Cinema e Artes de Hollywood, aquela apelidada de Oscar. Durante sua longa carreira de mais de seis décadas, Anthony Quinn atuou indistintamente em superproduções como “Lawrence da Arábia” e “Os Canhões de Navarone” e em filmes de pequeno orçamento como “A Estrada da Vida” e “Réquiem para um Lutador”. Em comum há o fato de suas interpretações se tornarem não raro inesquecíveis. Nos faroestes Anthony Quinn atuou igualmente em westerns classe ‘A’ como “Minha Vontade é Lei” e “Duelo de Titãs” e em faroestes que poucos assistiram como “Blefando com a Morte” e “O Retorno Sangrento”. Nem sempre o custo de produção determina a qualidade do filme pois “Consciências Mortas” teve padrão ‘B’ da 20th Century-Fox e foi um dos grandes filmes dos anos 40. Nesse clássico que William A. Wellman dirigiu, Anthony Quinn interpretou um mexicano condenado injustamente à forca. Em “O Retorno Sangrento” Quinn é um ‘gringo’ procurado pela Justiça acusado por crimes em legítima defesa.


William Conrad como Matt Dillon
quando "Gunsmoke" era campeão
de audiência no rádio.
Episódio da série “Gunsmoke” - “O Retorno Sangrento” (The Ride Back) é uma produção de William Conrad em parceria com o diretor Robert Aldrich. Conrad ficou conhecido no Brasil como o detetive durão da série “Cannon” (1971-1976). Antes, nos anos 50, Conrad com sua fantástica voz interpretou o 'Marshal Matt Dillon' na série “Gunsmoke” quando radiofonizada. E a história de “O Retorno Sangrento” havia sido um dos episódios de “Gunsmoke” com William Conrad que era amigo de Aldrich, daí a associação para produzir um pequeno western filmado em três semanas em Thousand Oaks, na Califórnia. A história de autoria de Anthony Ellis seria um excelente material para Budd Boetticher que em 1957 já estava envolvido com a série de westerns feitos em parceria com Randolph Scott. Na impossibilidade de ter Boetticher foi contratado para dirigir o inexperiente Allen H. Miner. “O Retorno Sangrento” lembra bastante um episódio de uma das muitas séries de TV com uma hora de duração pois possui poucos atores (apenas seis atores tem falas no filme) e foi filmado em preto e branco. A diferença, sem dúvida seria feita por Anthony Quinn que acabara de receber seu segundo Oscar por “Sede de Viver”. Além de Quinn foi contratada Lita Milan, bonita atriz que nunca conseguiu chegar ao estrelado e que abandonou a carreira após “O Retorno Sangrento” para se tornar nora do ditador da República Dominicana Rafael Trujillo.

Eddie Albert no programa de TV de Johnny
Cash; abaixo também na TV em "The Long
Trail"; cena de "Galante e Sanguinário" com
Van Heflin e Glenn Ford.
Homens da lei acompanhando bandidos - “O Retorno Sangrento” se inicia com uma canção-tema que narra os acontecimentos a serem desenrolados no filme, o que se tornou comum nos faroestes nos anos 50. A curiosidade é que quem canta neste faroeste é o ator Eddie Albert, de tantos filmes, entre eles “A Princesa e o Plebeu” e “Morte sem Glória” e da série de TV “O Fazendeiro do Asfalto”. Se dependesse da introdução cantada por Eddie Albert o filme estaria seriamente comprometido pois a canção-tema é fraca e a voz de Eddie Albert para cantar é desagradável. Nada que lembre “3:10 to Yuma” que Frankie Laine canta na introdução e no final de “Galante e Sanguinário”, cuja história lembra a de  “O Retorno Sangrento”, que foi filmado meses antes que o clássico de Delmer Daves. Nesse filme Van Heflin assume a obrigação de conduzir o bandido Glenn Ford, de trem, até Yuma. E o espectador vai lembrar também de “Duelo de Titãs”, outro grande western em que um prisioneiro (Earl Holliman) deve ser transportado por um homem da lei (Kirk Douglas). E Anthony Quinn tem um de seus grandes desempenhos em “Duelo de Titãs” como o pai do prisioneiro. O mesmo Anthony Quinn já havia atuado num teledrama da série Schlitz Playhouse of Stars, que foi ao ar em 19 de novembro de 1954, intitulado “The Long Trail”. Nesse programa de televisão Anthony Quinn é o Texas Ranger Clay Waldon, incumbido de levar um bandido a uma cidade texana.

Lita Milan e o padre do povoado (Victor Millan) ao lado de
Anthony Quinn e contra o xerife William Conrad.
Acidentado retorno - Bob Kallen (Anthony Quinn) está fazendo a barba quando dois homens tentam matá-lo. Kallen é mais rápido e mata os oponentes fugindo da pequena cidade ainda com espuma no rosto e a toalha no pescoço. Kallen atravessa a fronteira com o México e foge para o povoado onde mora. O xerife Chris Hamish (William Conrad) procura por Kallen no México e o encontra sem dificuldade. As dificuldades surgirão no trajeto de retorno em que além de Elena (Lita Milan), mulher que convive com Kallen, apaches cruéis tentarão matá-los. Há ainda uma menina sobrevivente de uma família chacinada por esses mesmos apaches. Mesmo acorrentado Kallen tenta em diversas oportunidades se livrar de Hamish que afinal é alvejado por um tiro disparado pelos apaches. Kallen ajuda Hamish e este passando a acreditar na inocência de Kallen promete a ele um julgamento justo quando terminar a viagem de volta.

Hamish (Conrad) e Kellan (Quinn): em comum só as mãos armadas.


Tony Quinn segurando um porquinho
ao lado de Lita Milan; abaixo Quinn
e Conrad, personalidades diferentes.
Personalidades opostas - Os faroestes na década de 50 ganharam aprofundamento psicológico de seus personagens em filmes com mais diálogos e menos ação. Este é o caso de “O Retorno Sangrento” em que, até por questão de orçamento, a ação limita-se ao confronto final entre Kallen e os apaches, enquanto Hamish jaz inerte baleado que foi. O confronto verdadeiro neste western é o confronto psicológico entre o prisioneiro e seu captor, iniciado na primeira aparição de Kallen, feliz carregando um porquinho ao lado de sua mulher. A cena choca Hamish que é um homem amargurado e privado de afeto. Ao ser conduzido Kallen recebe demonstração de amizade de três humildes habitantes do povoado. O padre do lugar também gosta de Kallen. A mulher de Kallen é apaixonada por ele e tudo faz para tentar libertá-lo de Hamish. A menina sobrevivente da chacina só se relaciona com o prisioneiro algemado. E Kallen é arrogante pois sabe que poderá escapar quando quiser no caminho de volta com o xerife. Kallen não perde a oportunidade para lembrar que Hamish mal sabe empunhar sua arma e dispará-la. O xerife é inseguro, ressentido e triste, mas determinado a cumprir sua missão, a única coisa certa que ele teria feito em sua inútil vida. Pouco a pouco Kallen vai sentindo um misto de pena e respeito por Kallen e este por sua vez passa a acreditar na inocência do homem que perseguiu tão tenazmente. Ao final, quando Hamish está agonizando, Kallen decide abandoná-lo com a menina e voltar para sua casa. No meio do caminho sua consciência faz com que ele mude de atitude e retorne com Hamish ainda vivo para a cidade.

William Conrad, a menina Elle Hope Monroe e Tony Quinn.
Faltou diretor - Mesmo com dois excelentes atores como William Conrad e Anthony Quinn, “O Retorno Sangrento” não consegue atingir a dimensão dramática dos faroestes de Anthony Mann ou Delmer Daves, por exemplo. Falta ao filme a mão segura de um diretor mais competente, isto somado à indisfarçada pobreza da produção. Sabemos que muitos diretores, com poucos recursos conseguem fazer pequenos grandes filmes. Não foi o caso de Allen H. Miner, mesmo porque Miner sequer completou as filmagens, tendo sido substituído por Oscar Rudolph na metade do filme. Se Miner não era o diretor ideal, Rudolph é hoje lembrado como o diretor de filmes como “Dançando o Twist” e “Don’t Knock the Twist”, veículos para Chubby Checker. E o resultado da falta de um bom diretor é que “O Retorno Sangrento” é um faroeste pequeno em tudo, menos nas interpretações dos dois atores principais.
Anthony Quinn (usando poncho a la Clint Eastwood em 1957) e William Conrad;
abaixo Lita Milan lutando contra o fortíssimo William Conrad.

23 de fevereiro de 2013

UM POR DEUS, OUTRO PELO DIABO (Buck and the Preacher) - HERÓIS NEGROS EM BLACK WESTERN


Woody Strode
Faroestes tendo negros como protagonistas são raros e o lançamento de “Django Livre” remete ao fato de Hollywood praticamente ter ignorado a importância dos negros na história do Velho Oeste. Nos anos 60 os Estados Unidos viram crescer as manifestações políticas pelos direitos civis e o mundo assistiu constrangido às mortes dos líderes negros Malcom X e Martin Luther King. Muitos avanços ocorreram na sociedade norte-americana como reflexo dessa turbulência social e na década de 70 ocorreu a explosão dos chamados Black Movies. O público teve a oportunidade de assistir a filmes com negros e muitos deles dirigidos por negros, dos quais “Shaft” foi o de maior sucesso, inclusive entre o público branco. Entre tantos Black Movies faltava um western e o distanciamento do movimento cinematográfico negro em relação a esse gênero seria devido aparentemente à dificuldade de abordagem. John Ford havia sido o diretor que mais incisivamente focalizou um personagem negro em um faroeste em “Audazes e Malditos” (1960) e o cinema teve que esperar até 1972 para ver produzido um autêntico Black Western.


Sidney Poitier como Mr. Tibbs em
"No Calor da Noite".
Diretor branco X diretor negro - No mundo artístico ninguém mais que Harry Belafonte lutou pelos direitos dos afroamericanos, que é como os negros de lá gostam de ser chamados. Ainda hoje, às vésperas de completar 86 anos, o que vai acontecer no dia 1.º de março próximo, Belafonte percorre o mundo tentando minorar as desigualdades sociais envolvendo os negros. E o consagrado cantor foi quem produziu, em 1972, “Um por Deus, Outro pelo Diabo” (Buck and the Preacher), contratando para estrelar esse western seu amigo de passeatas Sidney Poitier.  Esse primeiro verdadeiramente grande astro negro de Hollywood havia sido, em 1968, o campeão de bilheterias dos Estados Unidos estrelando os filmes “Adivinhe quem Vem para Jantar”, “Ao Mestre com Carinho” e “No calor da Noite”. Especialmente nos dois primeiros desses filmes Poitier personificou o negro digno e exemplar, produto tipicamente hollywoodiano. “Um por Deus, Outro pelo Diabo” não era para ser um Black Movie pois o diretor inicialmente contratado foi Joseph Sargent. Porém, mal iniciadas as filmagens em Durango, no México, Sargent percebeu que seria incapaz de dirigir o filme como o ator-produtor Harry Belafonte queria. E a saída de Sargent foi precipitada pelo comportamento de Sidney Poitier que insistia em orientar como deveriam ser feitas as tomadas de cenas. Esta seria a primeira experiência do ator de “Acorrentados” como diretor, função que ele passou a revezar com a de ator nos anos seguintes.

A caravana acima não é de John Ford;
negros na esperança de sobrevivência digna e
os mercenários brancos (abaixo à esquerda).
Cumprindo a 13.ª Emenda - “Um por Deus, Outro pelo Diabo” teve roteiro de Ernest Kinoy, também autor da história em parceria com Drake Walker. Os dois autores contam o que ocorreu com muitos negros depois que foram libertados da escravidão após a aprovação da 13.ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos. Famílias inteiras de ex-escravos procuravam recomeçar a vida longe dos campos de colheita de algodão ao final da Guerra Civil. Rumando em caravana para terras ao norte, essas famílias eram alvo de grupos que, a serviço dos escravocratas da Louisiana, os atacavam e forçavam seus retornos às fazendas dos ex-patrões. Buck (Sidney Poitier) é um negro, ex-soldado ianque, que serve como líder dessas caravanas. Buck é conhecido do chefe índio com quem negocia a passagem da caravana pagando à tribo uma espécie de pedágio. Buck encontra um tipo esquisito que se diz fundador da Igreja da Sagrada Crença e que se diz chamar Reverendo Willis Rutherford (Harry Belafonte). Buck e o Reverendo se tornam amigos apesar de suas diferenças. Em suas andanças o Reverendo conhece Deshay (Cameron Mitchell) que é um dos mercenários a serviço dos fazendeiros sulistas. Deshay lidera uma tropa de homens e procura por Buck que tem atrapalhado suas ações ao defender os ex-escravos. Num ataque a uma caravana Deshay se apodera de 1.400 dólares que os membros da caravana usariam para negociar a passagem pelo território dominado pelos índios. Buck e o Reverendo surpreendem o bando de Deshay em um bordel da cidade de Copper Springs, matando o líder Deshay e alguns dos mercenários. Buck e o Reverendo no entanto não conseguem reaver os 1.400 dólares e decidem assaltar o banco de Copper Springs. Após o assalto, o mercenário Floyd (Denny Miller) arregimenta um grupo de homens de Copper Springs e encurrala Buck e o Reverendo. Estes acabam salvos pelos índios e a caravana afinal segue seu rumo a caminho de uma nova vida.

Acima o Reverendo, Ruth e Buck;
No centro e abaixo Buck e o Reverendo.
Política e aventura - “Um por Deus, Outro pelo Diabo” tem história similar à do belíssimo “Caravana de Bravos”, de John Ford. Porém a saga das famílias negras atravessando desertos e toda sorte de perigos rumo ao desconhecido para fugir do terrível passado, dá lugar às aventuras da dupla Buck e o Reverendo. Aos poucos o filme de Sidney Poitier segue como modelo “Butch Cassidy e Sundance Kid”, o western que dois anos antes obteve o mais retumbante sucesso que um faroeste havia alcançado na história do cinema. Paul Newman e Robert Redford são emulados por Poitier e Belafonte, não faltando nem mesmo o elemento feminino na figura de Ruth (Ruby Dee), perfazendo um inequívoco triângulo amoroso. A clara intenção inicial de “Um por Deus, Outro pelo Diabo” é mostrar o eterno sofrimento da raça negra e logo na introdução um letreiro diz que “o filme é dedicado aos homens, mulheres e crianças que descansam em túmulos tão apagados quanto sua participação na História do país”. E o desconsolo e a desesperança são lembrados em frases como quando Ruth diz que “A guerra de nada serviu pois não mudou nada, nem ninguém” e a segregação é “...como um veneno impregnado no solo” dos Estados Unidos. A mudança de tom de “Um por Deus, Outro pelo Diabo” é sensível pois  ao imitar “Butch Cassidy” que era cinema de puro entretenimento, o filme de Poitier perde de vista seu caráter político. Tarefa difícil para qualquer diretor, ainda mais para o inexperiente como Sidney Poitier é tocar em assunto tão cru num tom leve e divertido como o do clássico de George Roy Hill.

O Reverendo ficou nu (Harry Belafonte).
Belafonte hilariante - Ex-companheiro de James Dean, Rod Steiger e Paul Newman no Actor’s Studio, assim como esses seus colegas, Sidney Poitier se excedia nos maneirismos. Mas se autodirigindo em “Um por Deus, Outro pelo Diabo”, Poitier está contido, até porque não possui dom para a comédia. A grande surpresa do filme fica por conta de Harry Belafonte. Ator bissexto que fez apenas seis filmes de 1953 a 1972, todos eles em papéis intensamente dramáticos como o soldado Joe de “Carmen Jones”, Belafonte cria um engraçadíssimo e irreverente personagem como o cínico e libidinoso Reverendo. O negro, mesmo sofrendo por séculos na América as consequências da brutal segregação e preconceito, conseguiu fazer brotar da sua amargura uma certa alegria e esperança. Essa quase inconsequente alegria é expressa admiravelmente por Harry Belafonte em “Um por Deus, Outro pelo Diabo”, compensando a sisudez de Poitier. A química perfeita que se viu entre Newman e Redford não ocorre entre Belafonte-Poitier e não por culpa de Belafonte. Com os dentes encapados como se estivessem sujos pelo fumo que masca a todo momento, Belafonte surge hilariante e até nu na tela. E durante todo o filme faz rir com suas expressões cômicas carregando a enorme Bíblia que esconde um Colt pronto a ser usado ainda que a causa nem sempre seja a mais nobre.

Diversas imagens de Harry Belafonte, o estranho Reverendo.

Acima Belafonte, Ruby Dee e Poitier;
abaixo Julie Robinson, então a  senhora
Belafonte e Enrique Lucero.
Butch e Sundance negros - As tantas sequências de “Um por Deus, Outro pelo Diabo” que imitam “Butch Cassidy” permitem imaginar uma absoluta falta de criatividade do roteirista e diretor. Não faltou nem mesmo um momento de apuro em que Buck e o Reverendo devem saltar, na falta de um despenhadeiro, sobre cavalos. À parte a tentativa de recriar Butch Cassidy e Sundance Kid negros, Um por Deus, Outro pelo Diabo” tem uma boa sequência de ação quando a dupla extermina o bando de Deshay. Outras sequências bem elaboradas são os ataques aos acampamentos dos negros. Peca mais ainda o filme ao não mostrar a cena de estupro de uma jovem negra e ao apenas insinuar o triângulo entre Buck-Ruth-Reverendo. Outro detalhe a ser observado é a de certa maneira decepcionante trilha musical composta por Benny Carter. O grande compositor, maestro e arranjador, apelidado ‘The King’, utilizou uma sonoridade musical que promissora nos créditos iniciais torna-se monótona ao longo do filme. O elenco formado por inúmeros atores negros tem como destaque, além de Harry Belafonte, a excelente Ruby Dee. Cameron Mitchell de bigodinho é o vilão-mór e o ex-Tarzan Denny Miller mais parece um vilão espalhafatoso saído dos westerns-spaghetti. O chefe índio é o mexicano Enrique Lucero e a atriz que interpreta sua esposa branca é Julie Robinson, que foi casada com Harry Belafonte por quase 50 anos, acompanhando-o sempre em seu ativismo político.

Buck e o Reverendo.
Heróis negros - Mostrado em inúmeros westerns revisionistas, negros e índios sofreram igualmente nas mãos do homem branco dominador. “Um por Deus, Outro pelo Diabo” expõe indisfarçadamente e até com certa graça essa realidade. Numa sequência espirituosamente jocosa, quem salva os dois heróis ao final do filme não é a garbosa Cavalaria, mas sim os índios atacando os impiedosos mercenários brancos. Quem define a terra prometida dos negros não são religiosos mórmons como em “Caravana de Bravos”, mas Cudjo, um curandeiro negro. E mais ainda ao mostrar como cruéis foras-da-lei brancos ex-soldados, cujos atos levam negros e nativos a comungar dos mesmos sentimentos contra eles. E o fato de se produzir um filme socialmente tão importante num gênero em que os heróis sempre foram caucasianos já soa como uma provocação negra à Hollywood dominada pelos financistas brancos. Quentin Tarantino deve ter assistido a muitos westerns-spaghetti para realizar seu “Django Livre”, mas certamente viu também “Um por Deus, Outro pelo Diabo”, até hoje um faroeste único e que merece ser revisto nem que seja para rir um pouco com Harry Belafonte e para saber que os heróis nem sempre eram brancos.

Sidney Poitier, ator e diretor; nas fotos abaixo a Bíblia com o Colt e Belafonte.

20 de fevereiro de 2013

OS COMANCHEIROS (The Comancheros) – EMPOLGANTE FAROESTE DE JOHN WAYNE



Michael Curtiz em Assis, na Itália,
por ocasião de seu penúltimo filme
"São Francisco de Assis", em 1960.
Um leitor do WESTERNCINEMANIA sugeriu há tempos que fosse feita uma enquete para eleger os dez melhores westerns de John Wayne, descartados aqueles em que o Duke foi dirigido por John Ford. É uma ótima idéia pois são muitos mesmo os excelentes westerns de John Wayne. Entre eles merece ser lembrado “Os Comancheiros” (The Comancheros), um faroeste com algumas imperfeições mas que é um dos melhores do Duke. A direção é creditada a Michael Curtiz que estava bastante adoentado durante as filmagens iniciadas em junho de 1961. Curtiz teve mesmo que se afastar antes de terminada a rodagem deste western devido ao câncer que o consumia. Quanto de “Os Comancheiros” Curtiz dirigiu é um mistério, havendo quem diga que não chegou a um terço do filme. E mesmo enquanto trabalhou nesta produção, Curtiz era incapaz de se lembrar do que devia fazer e até mesmo dos nomes dos atores, permanecendo a maior parte do tempo sentado. O produtor George Sherman prevendo o iminente desastre pediu a John Wayne que dirigisse “Os Comancheiros”, inicialmente de forma discreta para não melindrar Michael Curtiz. Não demorou muito e com o afastamento do diretor húngaro John Wayne passou a comandar o filme, excetuadas as sequências de ação que ficaram a cargo do diretor de segunda unidade Cliff Lyons. John Wayne se recusou a ser creditado como co-diretor, em homenagem a Curtiz que faleceu semanas após o lançamento de “Os Comancheiros”. Bonito gesto do Duke, pois esse é um faroeste que honra a filmografia de qualquer diretor, especialmente a dele, tão pequena.


Michael Wayne (filho de John Wayne) com o pai
ladeando James Edward Grant; abaixo Cliff Lyons.
A ‘Stock Company’ de John Wayne - “Os Comancheiros” seria o último de um contrato de três filmes de John Wayne com a 20th Century-Fox, pelos quais o ator recebeu dois milhões de dólares, dinheiro que o ajudou a se recuperar parcialmente das perdas com “O Álamo”. O produtor executivo de “Os Comancheiros” era o também diretor George Sherman e o autor do roteiro era James Edward Grant e William H. Clothier o cinegrafista e Alfred Ybarra o diretor de arte, todos grandes amigos de John Wayne. Esse fato somado à doença e afastamento de Curtiz deu margem a Wayne poder dominar inteiramente o filme, inclusive ampliando a participação de seu filho Pat Wayne e colocando também sua filha Aissa no elenco. Alguns dos atores contratados para “Os Comancheiros” como Guinn Williams, Bob Steele e Bruce Cabot eram amigos de longa data de John Wayne. Cliff Lyons, o responsável pelas cenas de ação e a maioria dos dublês eram todos amigos de John Wayne, tendo muitos deles trabalhado em “O Álamo”, épico cujas cenas de ação foram dirigidas por Cliff Lyons. Esse clima quase familiar reflete-se na própria atuação do Duke, imensamente ajudado pelos diálogos que melhor que ninguém James Edward Grant escrevia para os personagens vividos por John Wayne. “Os Comancheiros” marcou também a passagem de Lee Marvin para o seleto clube dos grandes astros, ainda que num pequeno mas marcante papel. Duke e Marvin se deram bem durante as filmagens e como Marvin já havia assinado contrato para atuar sob as ordens de John Ford, Duke o avisou: “Depois de atuar com Pappy (Ford), sua carreira vai mudar”. E mudou mesmo pois Lee Marvin se tornou um dos atores mais bem pagos do cinema, ganhando até um Oscar.

Duelo entre Gregg Palmer e Stuart
Whitman; Lee Marvin ameaçando John
Wayne; alto comando comancheiro com
Richard Devon, Tom Hennesy (em pé),
Nehemiah Persoff e Michael Ansara.
De Texas Ranger a contrabandista - A história de “Os Comancheiros”, de autoria de Paul Wellman foi adaptada inicialmente por Clay Huffaker, autor dos roteiros de “Rio Conchos”, “Quadrilha do Inferno” e “Estrela de Fogo”. Porém como já havia acontecido em outros filmes, John Wayne exigiu que a Fox contratasse James Edward Grant para que este tornasse o roteiro mais adequado ao amigo Wayne. A história de “Os Comancheiros” é bastante diferente dos padrões simples dos westerns e tem início em 1843 com um duelo em New Orleans, segundo os costumes lá deixados pela cultura francesa. O duelo leva Paul Regret (Stuart Whitman), um dos duelistas, a ser acusado injustamente como criminoso. Regret passa então a  ser procurado em vários Estados, inclusive no Texas que ainda era uma República independente onde os Texas Rangers mantinham a lei e a ordem. Jake Cutter (John Wayne) é um capitão dos Texas Rangers que prende Paul Regret e tenciona devolvê-lo à Justiça da Louisiana. Regret consegue fugir e Cutter recebe a incumbência de investigar o contrabando de armas que vão parar nas mãos dos Comanches. Cutter se faz passar por Ed McBain, um contrabandista de armas e conhece Tully Crow (Lee Marvin), que mantém contato com os comancheiros, grupo de renegados que opera o contrabando armando os índios. Cutter mata Crow e casualmente reencontra Paul Regret, passando a ter duas missões: entregar Regret à Justiça e se infiltrar entre os comancheiros, como se fosse Ed McBain. Levado ao Texas, Paul Regret recebe um perdão do Juiz Breen (Edgar Buchanan) com a condição de se tornar um Texas Ranger, o que aceita prontamente. Cutter e Regret conseguem chegar com as armas no quartel-general dos comancheiros que são liderados por Graile (Nehemiah Persoff). Cutter e Regret caem prisioneiros dos comancheiros e escapam da morte porque Pilar Graile (Ina Balin) se apaixona por Regret, evita as execuções dos dois e facilita uma fuga para eles. Com a chegada dos Texas Rangers o quartel-general dos comancheiros é destruído e Graile é morto.

Stuart Whitman sendo levado do Texas para
New Orleans em um burro; a 'independente'
Pilar (Ina Balin), com John Wayne.
New Orleans é logo ali... - O roteiro de “Os Comancheiros” tem um personagem mal delineado na figura de Pilar, filha do líder dos comancheiros e herdeira natural da poderosa e secreta sociedade criminosa. Pilar, mostrada como mulher fria e dominadora, se deixa envolver sentimentalmente e dominar por um aventureiro, pelo qual se apaixona, de forma pouco convincente e isto devido à inadequação da personagem à atriz Ina Balin. Quase uma piada é Jack Cutter ter de levar sozinho o prisioneiro Paul Regret de Galveston (Texas) à Louisiana, distante mais de 600 quilômetros. E ainda com Regret montando uma mula. Impossível para quem minimamente conheça o Velho Oeste não perceber o grotesco erro de em “Os Comancheiros” serem utilizadas armas que ainda não eram fabricadas. Os rifles de repetição usados no filme só entrariam em uso após a Guerra Civil e a trama de “Os Comancheiros” passa-se quase 20 anos antes. E não apenas os rifles, mas também os Colts Peacemakers que os Texas Rangers empunham em suas ações contra os bandidos. Esses fatos poderiam comprometer o filme, o que não acontece pois o que não falta em “Os Comancheiros” é ação da melhor qualidade e diálogos saborosos. Alguns deles devem ter deixado furiosos os texanos, como quando o Juiz Breen diz: “Como bons e sensatos texanos faremos tudo de maneira ilegal e desonesta”. E o mesmo Juiz Breen nomeia Paul Regret como Texas Ranger dizendo a ele: “Agora você é membro da mais nobre e mal paga organização do mundo”. Para explicar a Jack Cutter como funciona a sociedade por ele criada, Graile, o chefe dos comancheiros, diz: “Nossas regras são maravilhosamente simples. Infrinja-as e você morrerá”.

O Duke com Bob Steele; ao centro com Bruce
Cabot e Guinn 'Big Boy' Williams; abaixo com
Edgar Buchanan e Bruce Cabot. 
O meio escalpo de Lee Marvin - Em seus últimos filmes (“Onde Começa o Inferno”, “Hatari”, “O Álamo” e “Fúria no Alasca”) John Wayne conquistara mocinhas que mais pareciam suas filhas, fato que não passava despercebido nem a seus maiores fãs. Em “Os Comancheiros” o Duke iniciou uma nova fase de sua carreira, deixando para um ator mais jovem os beijos e abraços dados na mocinha do filme, neste caso o galã foi Stuart Whitman. E John Wayne entendeu-se bastante bem com Whitman, formando com ele uma dupla incrivelmente afinada. Outros personagens que funcionam admiravelmente são os dos veteranos Bob Steele, Guinn ‘Big Boy’ Williams e Edgar Buchanan. Último filme de Guinn Williams, já com a saúde visivelmente deteriorada, e que faleceria em 1962. Edgar Buchanan repete o papel que criara na série de TV “Judge Roy Bean”, mudando apenas o nome para ‘Judge Breen’. Uma pena que Jack Elam não tenha sido melhor aproveitado como um dos comancheiros, destaque que ficou para Michael Ansara como um enciumado mestiço. Nehemiah Persoff procura criar um vilão marcante, isto depois da deliciosa participação de Lee Marvin como ‘Tully Crow’. Assustador com metade de sua cabeça escalpelada e uma fina trança completando a figura, Lee Marvin cria mais um tipo vil e cruel na sua incomparável galeria, prenunciando o facinoroso Liberty Valance. Ina Balin não possuia as qualidades que sobravam em Carolyn Jones e Rita Moreno, por exemplo, mais adequadas para interpretar ‘Pilar’, isto para não falar em Katy Jurado, cujos melhores dias de mulher sensual haviam passado. A judia Ina Balin, nascida no Brooklyn, era a aposta da Fox para ser uma nova Ava Gardner, mas não foi longe na carreira, apesar das chances que teve.

O metade escalpelado Tully Crow (Lee Marvin).

Faroeste empolgante - “Os Comancheiros” é um dos mais vibrantes e agradáveis faroestes do início dos anos 60 e para isso muito contribuiu a trilha sonora de Elmer Bernstein. O tema principal não teve a sorte de ser escolhido para publicidade, como aconteceu com o main-title de “Sete Homens e Um Destino”, mas nem por isso é menos empolgante e para os apreciadores de trilhas sonoras vale à pena conhecer a suíte composta por Bernstein para “Os Comancheiros” peça disponível no YouTube. Rodado em sua maior parte em Moab (Utah), região que lembra bastante o Monument Valley, William H. Clothier faz seu costumeiramente admirável trabalho de cinematografia. Outro aspecto que merece destaque em “Os Comancheiros” é o esplêndido trabalho dos dublês, com Cliff Lyons não perdendo uma única oportunidade para coreografar quedas simultâneas de dois, três e até quatro cavalos. Além de John Ford, em 1961 o Duke já havia sido dirigido por diretores talentosos como Raoul Walsh, Howard Hawks, Henry Hathaway, Allan Dwan, William A. Wellman, DeMille, Nicholas Ray, Jules Dassin, John Huston e o próprio Michael Curtiz. Ator-produtor, John Wayne sempre se preocupou com tudo que envolvia a realização de um filme e deve ter observado bastante o trabalho de cada diretor. A isso certamente se deve o ritmo excelente e momentos de humor de “Os Comancheiros”. Com suas muitas sequências de ação, diálogos brilhantes e diversas interpretações ótimas, “Os Comancheiros” é um dos faroestes do ator John Wayne que merecem estar na lista referida no início desta resenha. Filme para ser visto e revisto sempre com renovada satisfação.

Acima Pat e Duke Wayne com Stuart Whitman; Ina Balin com Whitman;
no centro Edgar Buchanan e Nehemiah Persoff; abaixo Duke e a filha Aissa.
Os dois torturados da foto são os fantásticos stuntmen Chuck Roberson e
Chuck Hayward, apelidados respectivamente de 'Bad Chuck' e 'Good Chuck'.
"Os Comancheiros" é um extraordinário festival de quedas de cavalos sob a
direção de Cliff Lyons, com os melhores dublês daqueles tempos em que
não se falava em computação gráfica.

19 de fevereiro de 2013

ELMER BERNSTEIN + WILLIAM H. CLOTHIER + CLIFF LYONS = WESTERN ESPETACULAR


Em 1961 os fãs de John Wayne ganharam um presentão que foi o faroeste "Os Comancheiros" (The Comancheros), que além do Duke em grande forma tinha ainda Lee Marvin no elenco. O filme fez muito sucesso e o que muito ajudou nesse êxito foi a colaboração da música de Elmer Bernstein, a cinematografia de William H. Clothier e Cliff Lyons dirigindo um time de fantásticos stuntmen. As sequências de ação de "Os Comancheiros" têm a maior coleção de quedas de cavalos já vistas em um western, mostrando o talento e a coragem dos dublês Chuck Roberson, Chuck Hayward, Bob Morgan, Boy 'Red' Morgan, Jerry Gatlin, Joe e Tap Canutt e outros craques em quedas coreografadas por Cliff Lyons. No vídeo abaixo, ouve-se o tema principal de autoria de Elmer Bernstein e são apreciadas as artísticas tomadas de William Clothier e as façanhas da turma de Cliff Lyons. Diversão garantida.


17 de fevereiro de 2013

CINE SAUDADE – O HOMEM-RELÓGIO ATACA NA ÚLTIMA SESSÃO



Clóvis Ribeiro
Costumo chamar Clóvis Ribeiro de ‘Mestre’. Nada mais merecido. Esse cinéfilo nascido no bairro da Lapa, em SP, é daquelas pessoas que causam a impressão que sabem de tudo ainda que sua humildade enganosamente leve a imaginar o contrário. Música, cinema, futebol... Clóvis Ribeiro disserta com segurança e propriedade sobre os mais variados temas e assuntos. Ah, ia esquecendo das Histórias em Quadrinhos que ninguém conhece mais e melhor que o amigo Clóvis. Nessa matéria ele é um verdadeiro PhD. E além de sua vasta cultura nessas áreas de entretenimento, Clóvis Ribeiro é um bem humorado contador de histórias. Uma das melhores é aquela passada na sua adolescência e que ele narra para o WESTERNCINEMANIA com suas próprias palavras, numa nostálgica e saborosa viagem aos bons tempos dos cinemas.


XXXXX

Hoje aquele prédio foi transformado em mais um templo evangélico. Até poucos anos atrás era o majestoso ‘Olympia’, homônimo do célebre e reluzente teatro parisiense, palco das maiores atrações internacionais. Mas para os antigos moradores da Lapa e adjacências como Água Branca, Vila Ipojuca, Vila Romana e Pompéia que conheciam o prédio gigantesco da Rua Clélia n.º 1517, as melhores e mais saudosas lembranças reportam às marquises do Cine Nacional. O cinema estava no auge quando foi construído ao final da década de 40. Concebido para uma platéia de milhares de pessoas, o Cine Nacional quase abrangia o quarteirão composto pelas ruas Clélia, Spartaco, Coriolano e Aurélia. Desde o início das obras depreendia-se que era coisa de primeiro mundo com centenas de operários trabalhando a todo vapor. Quando as fundações deram origem aos alicerces, colunas e paredes, confesso que fiquei boquiaberto ao pisar e ver in loco as desproporcionais medidas do futuro cinema do bairro, distante 600 metros da minha residência (Rua Fábia). Consegui acompanhar a obra e ter acesso ao ‘palácio’ graças aos colegas Édson e Mussula, que tinham livre trânsito para visitar o futuro Cine Nacional pois os engenheiros e mestres-de-obra utilizavam o telefone da casa de meus amigos (que moravam no outro lado da rua) para encomendar areia, cimento, ferro e demais materiais para construção. Finalmente concluído, o prédio parecia ser uma nave espacial com centenas de luzes e o pomposo nome em letras com mais de um metro de diâmetro cada uma anunciando CINE NACIONAL.

Ben Johnson e Terry Moore em "Monstro de um Mundo
Perdido", filme que inaugurou o Cine Nacional.
Foi demais para um bairro da Zona Oeste de São Paulo. Além das enormes salas e do balcão, o Nacional abrigava no andar superior os escritórios da Companhia Serrador, proprietária do prédio e exibidora dos filmes do Circuito Serrador. Presenciamos desde a inauguração algo inusitado: o cinema tinha serviço de bar e café. Até cerveja era servida para os adultos que tinham ficha de cor diferenciada no ato da compra. Os corredores laterais eram tão grandes que os caminhões de bebidas por eles acessavam. E o querido e saudoso Cine Nacional foi a coqueluche da região, de 1950 até 1976, quando encerrou as atividades, infelizmente. Jamais esquecerei o impacto da première, superlotado e festivo, o Nacional exibiu na noite de estreia, no dia 27 de março de 1950, o filme “Monstro de um Mundo Perdido” (Mighty Joe Young), com a bela e jovem Terry Moore e os famosos Ben Johnson, Robert Armstrong e Frank McHugh. Na platéia encontrava-se tios, vizinhos, amigos e conhecidos. Hoje, nem marcando hora encontramos rostos e vozes familiares, porque o bairro inteiro cresceu e desapareceu como o cinema.

Página do jornal "O Estado de S. Paulo" anunciando a inauguração do
Cine Nacional, destacando as 3.300 poltronas do luxuoso cinema.


Hedy Lamarr e Victor Mature.
Lembro que curtindo ainda as primeiras semanas do recém-inaugurado Nacional, meu pai que adorava filmes, levou toda a família para assistir “Dick Tracy em Luta”, “Um Pinguinho de Gente”, “O Valente Treme-Treme”, etc. Mais tarde os cartazes anunciaram a chegada de um filme para milhões. Fotos e mais fotos coloridas espalhadas no hall e corredores prometiam para ‘breve nesta sala de espetáculos’ o mais recente sucesso de Cecil B. DeMille: “Sansão e Dalila”. Quem poderia perder tal acontecimento? Eu, no dia do lançamento postei-me juntamente com os primos Dirceu e Décio, na parte da manhã, em frente à bilheteria principal. Mesmo antes do almoço as filas já eram quilométricas. Uma em direção à Rua Spartaco e outra seguia pela Rua Aurélia. Era uma segunda-feira de 1950 e o sacrifício valeu à pena, pois Victor Mature e Hedy Lamarr seguraram o público nas poltronas durante sessões seguidas e por toda a semana. Só no Nacional assisti “Samson and Delilah” cinco vezes, sem contar as reprises em outros cinemas. Foi um filme que marcou época e ninguém além de Mature teria interpretado um Sansão, de carne e osso, vislumbrado e perpetrado por DeMille. E a Dalila Lamarr, postando-se na prisão na célebre cena de Sansão já cego e acorrentado, impossibilitado de curtir a beleza da traidora, mas sensível para respirar o seu sedutor perfume. O diretor das superproduções mesclava religião, sexo e espetáculo, finalizando com mensagens moralistas a maioria de suas obras.

Alguns dos grandes sucessos dos anos 50 que Clóvis Ribeiro assistiu
no inesquecível Cine Nacional, no seu querido bairro da Lapa.




O HOMEM-RELÓGIO

Lee Marvin aterrorizando Gloria Grahame.
Não poderia encer-rar este Cine Saudade sem contar uma passagem hilária assistida na última sessão de uma quarta-feira, dia 26 de maio de 1954. Lembro bem o título do filme pois fui ao Nacional exatamente para presenciar Gloria Grahame em “Os Corruptos”, com Glenn Ford e Lee Marvin, do diretor Fritz Lang. Foi assim: Morava na vizinhança um ‘senhor’ de aparência séria. Mas era só na aparência pois atrás daquele semblante e olhar circunspectos estava um tremendo e refinado gozador. Eu o conhecia bem pois jogava futebol no nosso time e sempre aprontava com classe e inteligência as melhores traquinagens de salão. Um especialista na sua arte arteira e Teodoro era seu nome. O que ele fez no intervalo da derradeira sessão, já passando das 22 horas, eu vi e não atinei qual seria o resultado. De terno, gravata e óculos o ‘senhor’ Teodoro tirou do bolso do paletó um relógio despertador, acertou a hora e deu corda. Ao soar o gongo para o início do filme e enquanto as luzes se apagavam ele caminhou umas dez fileiras de poltronas à nossa frente, esticou um barbante amarrado ao relógio e voltou a sentar-se no local de origem. Decorridos 15 minutos de projeção o despertador soou a campainha e ninguém entendia o que estava acontecendo e de onde vinha o barulho. Um escândalo sonoro.

Rapidamente o Teodoro puxou o barbante com o relógio, travou a campainha, guardou-o e permaneceu estático. O fator surpresa pôs a plateia em polvorosa e o ‘lanterninha’ corria de um canto a outro procurando ‘culpados’. Não encontrando jovens delinquentes entre as muitas poltronas vistoriadas, dirigiu-se até perto do aristocrático Teodoro e perguntou se o mesmo não vira alguns engraçadinhos por aí. Teodoro com a maior cara-de-pau disse que viu sim e que dois rapazes fugiram agachados “umas dez fileiras lá na frente”. Até hoje não esqueci a performance do Teodoro com seu relógio-despertador. Uma figura que jaz no Cemitério da Goiabeira, no Alto da Lapa. Aprontou mil e umas. Vi algumas e foram ótimas.

Shirley MacLaine e Liza Minelli, duas grandes artistas que
estiveram na tela do Cine Nacional e depois no palco da
casa de shows Olympia.
Finalizando a traje-tória do Nacional, posteriormente ‘Olympia’, há o fato curioso de artistas que nos brindaram com atuações na tela e depois no palco, ao vivo, como Shirley MacLaine e Liza Minelli. A Lapa contava ainda com mais cinemas e que aos poucos foram desaparecendo. O ‘São Carlos’ ficava na Rua Guaicurus; o ‘Jaraguá’ na Rua Catão; o ‘Tropical’ na Rua Roma; o ‘Recreio’ na Lapa de Baixo; o ‘Carlos Gomes’ na Rua Doze de Outubro; o ‘Brasília’ na Brigadeiro Gavião Peixoto e até dois mais recentes: o ‘Jacymar’, da Rua Nossa Senhora da Lapa e o ‘Center Lapa’ que ficava no 1.º andar do Shopping Center Lapa. Não passava pela cabeça de ninguém que algum dia tudo isso acabaria. O ritual da ida ao cinema englobava motivos e detalhes intrínsecos a cada cinéfilo, mas uma coisa é certa e insofismável: todos nós éramos felizes e não sabíamos pois a magia das grandes telas, a luz e o ‘barulhinho’ da máquina projetora faziam parte da nossa corrente sanguínea. Teodoro, descanse em paz.

                                                                                                             Clóvis Ribeiro
Clóvis Ribeiro editou durante dois anos a revista "Fancine" que deixou saudade
entre seus fiéis leitores. Acima algumas das capas da "Fancine" e Clóvis ao lado
do co-editor Darci Fonseca. Note-se que Clóvis segura a edição que biografou
seus maiores ídolos que são Elvis Presley e Marilyn Monroe. Nessa mesma edição
está Lee Marvin que aniversaria no dia 19 de fevereiro, um dia depois do
aniversário de Clóvis Ribeiro que é comemorado no dia 18 de fevereiro.
Clóvis Ribeiro juntamente com alguns de seus grandes amigos cinéfilos:
acima com Nelson Pecoraro, Aulo 'Doc' Barretti e Nicolau Jacintho;
abaixo com Achilles Hua e Umberto 'Hoppy' Losso.