UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

30 de novembro de 2013

PUNIDO PELO PRÓPRIO SANGUE (BACKLASH) – MISTÉRIO NO VELHO OESTE


John Sturges já havia dirigido cerca de 20 filmes quando filmou “A Fera do Forte Bravo” (Escape from Fort Bravo), em 1953 e em seguida “Conspiração do Silêncio” (Bad Day at Black Rock), em 1955. Com esses dois filmes Sturges chamou a atenção da crítica, especialmente este último, considerado por muitos uma obra-prima e também por vezes erroneamente classificado como um western, o que obviamente não é. Quando, em 1956, a Universal International decidiu produzir um faroeste classe ‘A’, ao custo de um milhão de dólares, com roteiro de Borden Chase baseado numa história de Frank Gruber, não teve dúvidas e contratou John Sturges, então com 45 anos. O western recebeu o título de “Backlash” e foi chamado no Brasil “Punido pelo Próprio Sangue”, sendo lançado em São Paulo no dia 11 de março de 1957 no Cine Art Palácio. Quando saiu por aqui em DVD o título foi alterado para “Unidos pelo Próprio Sangue” e a tentativa posterior de corrigir o erro resultou em “Punidos pelo Próprio Sangue”, mais uma vez em desacordo com o título original. Curiosamente o título mais errado é o que mais está mais próximo do que ocorre no filme.

O cartaz promovendo a estréia de "Punido pelo Próprio Sangue" em São Paulo;
à direita capas de DVD com títulos diferentes do original.

Robert J. Wilke encantado com a beleza de
Donna Reed.
A ação da censura altera o roteiro - O mesmo Borden Chase já havia focalizado o tema de vingança em família quando roteirizou “Winchester 73” (1950), dirigido por Anthony Mann. Desta vez, com “Punido pelo Próprio Sangue” Chase alterou bastante a história original de Frank Gruber, na qual pai e filho se reencontram e seguem juntos rumo ao futuro. Chase preferiu dar contornos mais trágicos à história fazendo com que Jim Slater (Richard Widmark) ao encontrar seu pai Jim Bonniwell (John McIntire) termine por matá-lo. A censura, no entanto, obrigou a Universal Pictures a promover diversas alterações no roteiro, entre elas o final edipiano e num trabalho de edição, quando o filme já estava pronto, Bonniwell é morto por um dos tiros disparados por um grupo de cowboys. A edição final excluiu ainda uma tentativa de estupro sofrida pela viúva Karyl Orton (Donna Reed), além de sequências apontadas pelo Código de Produção como demasiado violentas.

O revólver na mão de Richard Widmark
indica que ele teria matado John McIntire.
Punido por uma bala perdida - Jim Slater é um viajante texano que foi abandonado pelo pai quando tinha um ano de idade e não descansa até descobrir o que aconteceu com seu progenitor. As pistas o levam até um local chamado Gila Valley onde há cinco covas e pouco a pouco Slater descobre a identidade de cada um dos cadáveres ali enterrados. A princípio Slater acredita que seu pai seja um dos mortos, concluindo posteriormente que um sexto homem chamado Jim Bonniwell é não só é responsável pelas mortes dos cinco homens ali enterrados, como também fugiu com 60 mil dólares em ouro roubados de um banco. Os cinco homens foram mortos por índios apaches. Com esse dinheiro Bonniwell tornou-se pecuarista, aumentando seu rebanho com gado roubado de outros fazendeiros. Quando Slater descobre que Bonniwell não é outro senão seu pai, este tenta matar o filho desafiando-o para um duelo traiçoeiro. Nesse ínterim trava-se uma batalha entre os homens de Bonniwell e os do Major Carson (Roy Roberts), um fazendeiro rival. Quando Bonniwell está pronto para matar seu filho é atingido fatalmente por uma bala perdida disparada pelo grupo do Major Carson, não chegando a consumar o duelo com o filho e portanto não  sendo punido pelo próprio sangue como indica o título nacional.

Acima Richard Widmark,
abaixo John McIntire.
Sequência interminável de mortes - Mais que um faroeste, “Punido pelo Próprio Sangue” é uma história de mistério na linha dos mais complexos filmes noir e por isso mesmo nada fácil de ser compreendida. Na busca por seu pai Jim Slater encontra inúmeros personagens que o ajudam a desvendar as sendas percorridas por Jim Bonniwell. Não falta na história, como não poderia deixar de ser uma estranha e bela mulher que é Karyl Orton, viúva de um dos homens enterrados em Gila Valley. Karyl é experiente, confessando ter sido prostituta para sobreviver após o desaparecimento do marido e mesmo assim se apaixona por Slater. O Sargento Lake (Barton MacLane) possui informações sobre Jim Bonniwell e antes de morrer ajuda Slater. Os irmãos Tony Welker (Harry Morgan) e Jeff Welker (Robert J. Wilke), irmãos de um Welker enterrado em Gila Valley são igualmente mortos, o mesmo ocorrendo com Tom Welker (Regis Parton), o quarto irmão Welker, este morto em legítima defesa por Jim Slater. De passagem são também mortos um jovem metido a pistoleiro chamado Johnny Cool (William Campbell) e o xerife Olson (Robert Foulk), de Sierra Blanca. Tantos personagens e tantas mortes confundem ainda mais o espectador que espera pelo encontro e possível confronto entre pai e filho.

Certamente o leitor já ouviu frase parecida
em outros westerns.
Cinismo a la Bogart - Em meio a tantas mortes, há uma sucessão de diálogos nada inteligentes mas pretensamente cínicos como os que ilustravam com brilho os melhores filmes noir. O gerente de um hotel diz a Karyl Orton: “Posso dizer que está elegante?” “Pode e obrigada”, responde ela. “É uma garota engraçada. Gosto de garotas engraçadas” fala sem nenhuma graça Johnny Cool como se fosse um personagem de Humphrey Bogart. Mas o ápice da falta de inspiração ocorre quando Jim Slater explica sua determinação a Karyl Orton dizendo à moça o ressonante clichê “Há coisas que um homem tem que saber e tem que fazer”. É impossível se fazer um bom filme sem um bom roteiro e tudo piora quando sequências inteiras são mal dirigidas e interpretadas. E o mais surpreendente é que o diretor é um especialista chamado John Sturges que legaria ao gênero filmes importantes como “Sem lei e Sem Alma” e “Duelo na Cidade Fantasma” e clássicos absolutos como “Duelo de Titãs” e “Sete Homens e Um Destino”. Nem mesmo as sequências de ação de “Punido pelo Próprio Sangue” merecem a assinatura de John Sturges.

O pistoleiro empavonado William Campbell.
Pistoleiro resplandecente - Relativamente curto (84 minutos) para comportar tantos personagens, este western de John Sturges tenta aprofundar psicologicamente alguns deles, o que apenas torna a história pouco coerente. A própria presença da personagem Karyl Orton somente se justifica para que Donna Reed exiba sua beleza (e talento) e um interminável guarda-roupa recém-saído de uma boutique country. Verdadeiro nonsense ocorre quando Karyl despe-se de sua blusa para com ela estancar o sangue de Jim Slater, permanecendo Karyl com sua anágua para deleite do espectador. Em seguida Karyl vai até o alforje de seu cavalo e da bolsa retira uma outra blusa com a qual compõe sua impecável elegância. E não é que Karyl extrai a bala do ombro de Slater com incrível perícia e sem necessitar qualquer convalescença... Inteiramente desnecessária é a figura caricata do pistoleiro irresponsável Johnny Cool que possibilita a William Campbell fazer a pior imitação de ‘Jack Wilson’, o pistoleiro de “Shane” imortalizado por Jack Palance. O escritor Glenn Lovell, autor de “Escape Artist” (biografia de John Sturges) observou saborosamente que Campbell em “Punido pelo Próprio Sangue” está mais para o pianista Liberace que para Jack Palance. Mas é inegável que Campbell aprendeu bem as lições de manejo de revólver que Kirk Douglas lhe ministrou em "Homem Sem Rumo" (Man Without a Star), um ano antes. E se o leitor não consegue imaginar Harry Morgan como pistoleiro, procure-o neste western com risadas garantidas pela figura inconvincente do ator. Nada, no entanto, é mais engraçado que ver Edward Platt e Robert Foulk tentando passar por xerifes, Platt que anos depois ficaria marcado como o ‘Chefe’ do atrapalhado Agente 86 da TV. Por outro lado, bandidos do calibre de Robert J. Wilke e Jack Lambert permanecem poucos minutos na tela em notável desperdício de talentos.

Sequência em que Donna Reed cura e seduz Richard Widmark.

John McIntire e Richard Widmark.
Western-mistério - Se há algo que faz com que “Punido pelo Próprio Sangue” mereça ser assistido é a interpretação contida de Richard Widmark. Perfeito ao expressar a angústia da descoberta do pai assassino (McIntire) que confessa jamais haver matado alguém que não merecesse morrer. John McIntire que geralmente interpreta homens honestos, marcou bastante como o inescrupuloso traficante de armas de “Winchester 73”. Como Jim Bonniwell, McIntire repete sem o mesmo brilho um vilão ignóbil. “Punido pelo Próprio Sangue” foi filmado em 34 dias com as principais locações nos cenários da cidade cenográfica de Old Tucson, em Tucson (Arizona), ficando a bela fotografia do filme a cargo de Irving Glassberg. Com os tantos e respeitados nomes envolvidos no elenco sob a direção de John Sturges, esse faroeste é uma infeliz tentativa de criar o que se poderia chamar de western-mistério. E decididamente não é o mistério que prende a atenção do espectador num faroeste, como comprova “Punido pelo Próprio Sangue”.

Ao disparar seu revólver William Campbell fecha os olhos, porém Donna Reed
mantém-se impassível sem se incomodar com o estampido.

Alguns dos modelitos que Donna Reed desfila em "Punido pelo Próprio Sangue".

28 de novembro de 2013

O MISTÉRIO DO DESFILADEIRO (WILD HORSE STAMPEDE) - OS TRAIL BALZERS EM AÇÃO


Ídolos daqueles que foram crianças e adolescentes nos anos 30, Ken Maynard e Hoot Gibson cederam espaço na década de 40 para novos mocinhos que se firmavam na preferência da garotada. Entre os novos estavam Roy Rogers, Allan ‘Rocky’ Lane, Charles Starrett, Bill Elliott e outros do cast da Republic Pictures, todos mais jovens e mais magros que Maynard e Gibson. Mesmo estando os dois com muitos quilos a mais, a Monogram Pictures, rival da Republic tentou em 1943 uma série com a dupla de veteranos formando o ‘Trail Blazers’, trio que ajudava a manter a lei e a ordem no Velho Oeste. O terceiro nome do ‘Trail Blazers’ era Bob Baker. A primeira formação do ‘Trail Blazers’, reunida no faroeste “O Mistério do Desfiladeiro” (Wild Horse Stampede), teve Maynard e Gibson acompanhados por Bob Baker, que após esse primeiro filme foi substituído por Bob Steele. O ‘Trail Blazers’ cavalgaria ainda por mais cinco aventuras até se desfazer indicando os finais das carreiras de Ken Maynard e de Hoot Gibson como mocinhos. Bob Baker, que foi lançado como cowboy-cantor em 1937 e embora muito mais novo que Maynard e Gibson, daria adeus com “O Mistério do Desfiladeiro” à sua promissora carreira de mocinho.


Si Jenks ensina o 'flip-a-do-me' ao
delegado Bob Baker.
Si Jenks, instrutor de defesa pessoal - “O Mistério do Desfiladeiro” é exemplar ao mostrar como funcionava a parceria entre Ken Maynard e Hoot Gibson. Lembrando por vezes parcerias entre duplas cômicas, Gibson era o responsável pelas situações engraçadas, sempre sob o olhar sisudo, mau humorado e desconfiado de Ken Maynard, este sem nenhum talento para a comédia. Rico em situações engraçadas, este faroeste conta com a participação eficiente de Si Jenks, não como sidekick, mas responsável por momentos hilariantes. É Si Jenks quem ensina ao jovem delegado Bob Baker noções de defesa pessoal com o método ‘flip-a-do-me’. Após aprender as lições, Bob Baker vence o bandido Glenn Strange que é muito mais alto e mais forte que ele. Bob Baker não canta nenhuma canção, o que é uma pena pois seria uma boa oportunidade para ver se o simpático ator poderia concorrer com Roy Rogers e Gene Autry. Para enfrentar os mocinhos foi reunido um bando sob a liderança de Ian Keith, bando que tinha, entre outros, os capangas Tom London e Glenn Strange. Ao lado dos malfeitores o atrapalhado Robert McKenzie, mais para sidekick que para fora-da-lei. A mocinha Betty Miles mostra que sabia montar e também atirar, acompanhada pelo menino Don Stewart que montando seu pônei fazia inveja aos pequenos espectadores do filme.

Hoot Gibson e Ken Maynard autorizados
pelo delegado Bob Baker.
O esperto Hoot e o sisudo Maynard - Escrito por uma mulher (Frances Kavanaugh) e roteirizado por outra (Elizabeth Beecher), a trama de “O Mistério do Desfiladeiro” é um tanto diferente do lugar comum dos faroestes ‘B’ produzidos em série pois mostra os bandidos arquitetando planos para impedir a expansão da ferrovia. Normalmente os homens maus compravam terras que se valorizariam com a chegada da estrada de ferro, mas o que eles pretendem em “O Mistério do Desfiladeiro” é manter a empresa de diligências que não teria mais clientes com a chegada dos cavalos de ferro. O delegado da cidade (Bob Baker) que é um rigoroso seguidor da legislação contida em seu livro de leis é incapaz de conter a ação dos malfeitores o que é conseguido com a chegada à cidade da dupla Ken Maynard e Hoot Gibson. Os dois desbaratam a quadrilha com uma série de truques quase todos eles saídos da cabeça de Hoot Gibson. Mais que a esperteza, destaca-se a comicidade na sequência em que Gibson se faz passar por vários bandidos ao mesmo tempo; e Ken Maynard ludibriando através de um blefe os homens maus na mesa de pôquer para descobrir cédulas de dinheiro marcado é igualmente uma jogada inteligente. O que não se entende é a implicância de Maynard para com Gibson mesmo este sendo comprovadamente mais esperto que o dono do cavalo branco Tarzan.

Cenas mescladas às cenas de arquivo.
A habilidade dos mocinhos e dos dublês - Bastante movimentado e com as cenas de ação tendo como stuntmen Ben Corbett e o excepcional Clyff Lyons, o ritmo de “O Mistério do Desfiladeiro” é incessante. As poucas pausas nas cenas de ação com perseguições e lutas no saloon ocorrem com a presença de Si Jenks, um precursor dos mascates no Oeste, vendendo livros, facas, gravatas e providenciais revólveres que salvam Hoot e Ken na hora certa. Mesmo fora de forma os dois veteranos atores tentam exibir suas habilidades ao montar, cavalgar e laçar. Há mesmo uma sequência num curral com Maynard, ao som de música circense, demonstrando a habilidade que o levou a ser uma das grandes atrações de circos que percorriam as cidades norte-americanas. No cinema dificilmente a garotada iria se preocupar em verificar se aqueles mocinhos que faziam proezas eletrizantes em seus cavalos e prostravam com seus punhos os bandidos eram mesmo Maynard e Gibson ou seus substitutos. A idade de ambos exigia que a Monogram escalasse os melhores dublês para substituí-los para aquelas cenas empolgantes. O diretor de “O Mistério do Desfiladeiro” é Alan Jones e parte do mérito do filme deve ser creditado ao editor Frederick Bain que mesclou as muitas cenas de arquivo com outras em que se vê Maynard, Gibson e Betty Miles. Excelente faroeste ‘B’ produzido por um estúdio pobre e com elenco de veteranos, “O Mistério do Desfiladeiro” merece ter seus 59 minutos assistidos ao menos para se conhecer os mocinhos Ken Maynard e Hoot Gibson.

Todos no mesmo tiroteio: Hoot Gibson e Ken Maynard (acima); Bob Baker
e Betty Miles (centro); Tom London, Ian Keith e Glenn Strange (abaixo).

Trabalhos de Ben Corbett, dublando Ken Maynard.

Cliff Lyons substitui Ken Maynard na luta no saloon; note-se que o cartaz
é uma propaganda da cerveja 'Buffalo Beer'; ao lado acrobacia do dubleê.



25 de novembro de 2013

O MELANCÓLICO, INFELIZ E INGRATO FIM DA SÉRIE “BONANZA”


“Bonanza” foi uma das séries clássicas da TV norte-americana, uma das mais queridas pelo público e, por isso mesmo, uma das séries campeãs de audiência dos anos 60. O que levou “Bonanza” a ser tão admirada e ter uma fiel legião de espectadores foi, sem dúvida, o carisma dos quatro Cartwrights. Enquetes eram feitas para saber qual deles era o preferido do público que se dividia entre o patriarca Benjamin (Ben) e seus filhos Adam, Eric (Hoss) e Joseph (Little Joe), interpretados respectivamente por Lorne Greene, Pernell Roberts, Dan Blocker e Michael Landon. Mesmo a saída de Pernell Roberts ao final da sexta temporada não abalou a performance da série no Nielsen Ratings, principal instituto de pesquisas da TV norte-americana.

Lorne Greene
Dez anos entre os top-tens - Após um início fraco na primeira temporada (1959/60) atingindo apenas o 45.º posto entre os programas de maior audiência, na temporada seguinte (1960/61) “Bonanza” subiu para o 17.º posto. Na terceira temporada (1961/62), “Bonanza” ficou em 2.º lugar; 4.ª colocação na temporada 1962/63; voltou ao 2.º posto na 5.ª temporada (1963/64). “Bonanza” foi a série tricampeã de audiência nas temporadas 1964/65, 1965/66 e 1966/67. Na nona temporada (1967/68) a série caiu para a 4.ª posição; subiu para 3.º em 1968/69, colocação em que permaneceu também em 1969/70, quando “Bonanza” completou a 11.ª temporada no ar. A perda de audiência começou na 12.ª temporada (1970/71), quando a série caiu para a 9.ª posição. Ainda assim conseguiu o recorde de permanecer por dez temporadas consecutivas entre as séries de maior audiência nos Estados Unidos. Em 1971/72, 13.ª temporada, “Bonanza” saiu do top-ten caindo para o 20.º lugar. Na aferição de novembro de 1973 “Bonanza” estava num decepcionante 45.º lugar entre os programas de maior audiência. Foi quando a série foi cancelada sem ao menos terminar a 14.ª temporada que teve apenas 16 episódios. O que teria levado “Bonanza” a perder seu público?

Dan Blocker e a esposa Dolphia.
A cirurgia de Dan Blocker - Com o passar das temporadas foi ficando claro que o público gostava mais de Little Joe (Michael Landon) e de Hoss (Dan Blocker), sendo que a maior parte dos episódios colocava em destaque justamente os dois irmãos que ficaram após a partida de Pernell Roberts. O que não se sabia era o quanto o público admirava Dan Blocker, o que somente foi percebido quando do falecimento do robusto ator em 13 de maio de 1972. Dan Blocker residia há anos na cidade de Lugano, na Suíça, onde ficavam sua esposa e quatro filhos enquanto ele filmava nos Estados Unidos. Ao final da 13.ª temporada, em meados de 1972, Dan Blocker estava decidido a se submeter a uma cirurgia da vesícula biliar que vinha há tempos lhe causando muitas dores. Para isso Dan se impôs um regime que o fez perder 20 quilos dos 140 que pesava, tendo deixado de fumar e de beber. A cirurgia realizada no dia 29 de abril de 1972, num hospital de Inglewood, foi bem sucedida a princípio, ocorrendo uma infecção pós-cirúrgica ao fim da primeira semana de recuperação da operação, infecção curada com antibióticos. Dan Blocker havia adquirido um iate de 23 metros de comprimento, construído especialmente para ele e o qual batizou como ‘Dolphia’, nome de sua esposa. O ator tinha ainda três semanas de férias antes de retornar para as filmagens dos episódios da 14ª temporada de “Bonanza” e estava decidido a aproveitar bem esse tempo navegando com a família no ‘Dolphia’ pelo Rio Tâmisa, na Inglaterra.

Cenas do episódio 'Forever', com
Michael Landon e Bonnie Bedelia.
O episódio ‘Forever’ - Dan Blocker deixou o hospital no dia 12 de maio e no dia seguinte queixou-se de dores no peito e dificuldades para respirar. Retornando ao hospital foi detectado um coágulo sanguíneo em um dos pulmões. Levado para a emergência foi administrado no ator um antídoto para diluir o coágulo, mas onze horas depois o coágulo provocou uma parada cardíaca e sua consequente morte. Dan Blocker somente foi enterrado no dia 16 de maio pois seu corpo que já estava sendo velado teve que ser encaminhado a outro hospital para ser autopsiado. Lorne Greene e Michael Landon ficaram devastados pela morte do amigo, especialmente Michael que havia escrito um episódio para Dan Blocker, episódio que o próprio Michael iria dirigir. Esse episódio chamado ‘Forever’ e que abriria a 14.ª temporada da série contaria a história do casamento de Hoss Cartwright. A esposa de Hoss no episódio, interpretada pela atriz Bonnie Bedelia, termina falecendo para tristeza do gigante Cartwright. Apanhado de surpresa, Michael Landon teve que adaptar o episódio de forma que ele próprio interpretasse o noivo, ao mesmo tempo que dirigia o episódio. Além da enorme tristeza que toma conta de quem assiste a ‘Forever’ por sentir a falta de Dan Blocker, o episódio em si é repleto de momentos tristes, especialmente quando Little Joe junto ao túmulo da esposa morta diz “Eu te amo”. Sente-se que ele estava dizendo isso ao amigo Dan Blocker.

David Canary, Blocker, Greene e Landon.
Cancelamento da série - Para tentar amenizar a falta de Hoss Cartwright, foi escalado para a série “Bonanza” na 14.ª temporada o personagem Griff Rei (Tim Matheson), sendo mantido Jamie Hunter (Mitch Vogel) e havendo ainda o retorno a Ponderosa de Candy Canaday (David Canary). Nada disso porém adiantou pois o público simplesmente se desinteressou de assistir “Bonanza” que, como foi dito desabou nas pesquisas de audiência levando ao abrupto cancelamento da série. Lorne Grenne e Michael Landon foram avisados pela direção da NBC (National Broadcasting Corporation) que o último episódio da série seria filmado até o dia 6 de novembro de 1972, após o que ele e os demais atores e técnicos seriam dispensados. Lorne Greene ficou tão aborrecido que sequer compareceu para as filmagens naquele dia 6 de novembro. O criador e produtor da série David Dortort implorou aos executivos da NBC que a 14.ª temporada fosse concluída com o número previsto de episódios (32), mas sem resultado. A série foi interrompida após os 16.º episódio daquela última temporada e que seria o 430.º episódio de “Bonanza”. Falou mais alto o dinheiro pois a série começava a não dar lucro, esquecendo-se os executivos dos 13 anos anteriores, muitos dos quais “Bonanza” foi campeã de audiência fazendo mais rica a NBC. Nos 13 primeiros anos o patrocinador de “Bonanza” foi a General Motors Company que então desistiu do patrocínio. Na 14.ª a Ford Motors Company passou a ser o patrocinador da série.

O mais famoso chapéu da TV nas mãos
de seu dono, Hoss Cartwright.
Reprise em canal por assinatura – Dan Blocker era insubstituível na série pois com seu tipo bonachão, correto, tímido e engraçado, fazia o contraponto perfeito para o heroísmo de Little Joe e a sisudez de Ben Cartwright. Talvez mesmo com a presença de Dan Blocker “Bonanza” continuasse a perder audiência, o que ocorreu também com “Gunsmoke” que atingiu 20 temporadas até ser cancelada em 1975. As séries westerns de TV não atraíam mais o público e prova disso é que nos anos seguintes raras dessas séries eram produzidas até serem zeradas em 1984. Quadro totalmente diferente de 1959, primeiro ano de “Bonanza”, quando nada menos que 48 séries preenchiam as grades das três grandes redes de televisão nos Estados Unidos. O fato que ficou na história foi que após a morte de Dan Blocker “Bonanza” acabou. E terminou da forma mais melancólica possível. Atualmente o Canal TCM reprisa as duas últimas temporadas de “Bonanza” depois de exibir diariamente a série completa ao longo dos últimos quatro anos. Isso comprova que ainda há público para as séries westerns na televisão, as quais são aguardadas ansiosamente pelos fãs.


Dan Blocker na intimidade e a lápide da campa onde descansa.

Michael Landon no episódio que escreveu para o amigo Dan Blocker;
abaixo o casamento com Bonnie Bedelia.

21 de novembro de 2013

TAMBORES DA MORTE (DRUMS ACROSS THE RIVER) – FAROESTE ‘B’ CLASSE ‘A’


Audie Murphy possuía uma legião de fãs que aguardavam ansiosamente pelos seus faroestes, ainda que boa parte desses filmes fossem chamados pela crítica de ‘faroestes de rotina’. O diretor Nathan Juran, por sua vez já havia dirigido Audie Murphy em dois outros westerns que foram “A Morte Tem Seu Preço” e “A Ronda da Vingança” (Tumbleweed), ambos de 1953. Nada porém indicava que “Tambores da Morte” (Drums Across the River), de 1954, resultasse num pequeno faroeste tão superior, que se assiste com prazer e que curiosamente não é citado entre os melhores filmes de Audie Murphy.


Acima Audie Murphy e Walter
Brennan; no centro Lyle Bettger e
Bob Steele;abaixo Lyle Bettger,
James Anderson, Lane Bradford
e George Wallace.
Brancos e as terras dos índios - “Tambores da Morte” tem história e roteiro de John K. Butler e fala do conflito entre índios e brancos com estes últimos tentando se apropriar de terras indígenas que possuem metais valiosos. A ação se passa numa cidade chamada Crown City, no Colorado, separada das montanhas conhecidas por San Juan apenas por um rio. Essas montanhas são solo sagrado para os índios da nação Ute porque lá estão enterrados seus antepassados. Frank Walker (Lyle Bettger) lidera um grupo de homens que tenciona atravessar o rio como forma de provocar os índios fazendo com que eles fiquem em pé de guerra e ocorra a intervenção da Cavalaria. Se os índios forem levados para uma reserva, consequentemente aquelas terras ficarão de posse dos interessados, pessoas de Denver, que pagam Walker e seu grupo. Para atravessar o rio Walker contrata os serviços de Gary Brannon (Audie Murphy) que mantém uma empresa de frete de carroças com seu pai Sam Brannon (Walter Brennan). Sam Brannon respeita os índios e é amigo do chefe Ouray (Morris Ankrum) que está velho e doente e ao morrer passa a seu filho Taos (Jay Silverheels) o posto de cacique. Taos se torna amigo de Gary Brannon e este ao descobrir as intenções de Frank Walker luta contra ele e seu bando, impedindo o conflito entre a população de Crown City contra os índios.

Acima Morris Ankrum, Jay Silverheels e
Audie Murphy; abaixo Jay Silverheels.
A dignidade dos nativos - “Tambores da Morte” é uma adaptação do fato histórico da tomada das Colinas Negras (Black Hills) de Dakota, onde ocorreu uma corrida pelo ouro com a retirada dos índios Lakotas das planícies colocando-os numa reserva. A diferença é que no faroeste de Nathan Juran havia Gary Brannon que heroicamente muda o rumo da história permitindo que o bem sobrebuje o mal configurado pela quadrilha de Frank Walker. Para isso Gary Brannon enfrenta inúmeros perigos, além de vencer seu ódio pessoal pelos índios. A mãe de Brannon foi assassinada por um índio que era justamente o filho do chefe Ouray. O pai de Brannon, ao contrário, demonstra enorme respeito pelos nativos, bem como pelo território índio e acaba fazendo com que seu filho Gary aceite o fato de os índios serem justos e terem direito a suas terras. Gary Brannon fica sabendo através de Ouray que quem matou sua mãe foi o filho do cacique, que por essa razão foi morto de forma cruel atendendo à justiça dos índios Ute. “Tambores da Morte” foi produzido em 1954, num momento em que o cinema norte-americano deixava de ver os índios como meros selvagens irracionais cuja razão de vida era unicamente matar e escalpelar homens brancos geralmente indefesos até a chegada da Cavalaria. E azar deles se fosse a 7.ª Cavalaria com o General Custer no comando.

Audie Murphy em luta contra Lyle Bettger
e contra Ken Terrell (abaixo).
No ritmo dos ‘to be continued’ - A trama nada original de “Tambores da Morte” é compensada pelo extraordinário ritmo do filme, com uma sucessão de ações encenadas com maestria por Nathan Juran. A movimentação intensa lembra os faroestes ‘B’ ou mais ainda, os seriados dos anos 30 e 40 quando cada episódio reservava muitas lutas e correrias, além de um emocionante momento de ação truncado pelo famoso ‘To be continued’ (continua na próxima semana). O pobre Audie Murphy enfrenta estoicamente Lyle Bettger, James Anderson, o índio Ken Terrell e numa luta espetacular Bob Steele. Mais conhecido por ‘Battling Bob’ nos tempos áureos de mocinho, o pequeno Bob Steele se destacava por sua impetuosidade e coragem nas lutas com bandidos muito maiores que ele. Nessa sequência Audie Murphy luta contra Steele e é substituído em apenas dois momentos da feroz luta pelo substituto que é nada menos que David Sharp, uma das lendas entre os dublês da Republic Pictures. Sharp era pequeno como Audie Murphy mas um gigante nas cenas de ação. O ponto alto de “Tambores da Morte”, no entanto, é a sequência em que Audie Murphy se defronta com Hugh O’Brian, este todo de preto fazendo um pistoleiro da linha de Jack Palance, o ‘Wilson’ de “Shane”. Sem outro recurso contra o bandido interpretado por O’Brian, Murphy faz uso de um chicote atingindo o rosto do pistoleiro, o que lhe possibilita apanhar o Colt que está no chão e disparar certeiramente contra o sádico O’Brian. Cena que obriga um replay no DVD.

Violenta luta entre Audie Murphy e Bob Steele; note-se que na foto menor à
direita é o stuntman David Sharp quem luta em lugar de Audie Murphy.

Audie Murphy lembra Lash LaRue ao chicotear o rosto de Hugh O'Brian
para ganhar tempo e apanhar o revólver com o qual matará O'Brian.

Walter Brennan armado até a dentadura que usa em
"Tambores da Morte"; abaixo Bob Steele mostra
sua habilidade com arco e flecha.
Walter Brennan e Bob Steele - Os momentos de ação com Audie Murphy mostram o ex-soldado se comportando como se estivesse nos campos de batalha onde se transformou no maior herói norte-americano da 2.ª Guerra Mundial. Mas, além disso, ele tem atuação boa, assim como boas são as presenças de Lyle Bettger (um dos marcantes vilões dos westerns), Hugh O’Brian (antes de criar ‘Wyatt Earp’ na TV), Jay Silverheels, Morris Ankrum, Emile Meyer e Regis Toomey, todos sabidamente ótimos coadjuvantes. Os destaques ficam para Bob Steele pela presença maior e participação na referida luta com Murphy e, como não poderia deixar de ser, para Walter Brennan. O veterano ator que foi vencedor de três prêmios Oscar como Melhor Coadjuvante, acostumado a ser dirigido por diretores de prestígio, desta vez atua sob a direção de Nathan Juran e contracenando com atores de menos renome. Nem por isso Brennan deixa de corresponder, ainda que longe do tipo adorável que nos acostumamos a vê-lo interpretar, sem dentes e com o inconfundível sotaque. Ver Walter Brennan na tela sempre vale o filme, faroeste ou não. A lamentar a presença de Lisa Gaye, mocinha sem graça e as poucas cenas de Mara Corday como amante do vilão Lyle Bettger.

Galope de Audie Murphy atrás do
bandido Lyle Bettger.
Diversão garantida - Esta produção da Universal Pictures tem belas sequências rodadas no Red Rock Station Park e nas florestas de San Bernardino, onde Audie Murphy monta seu cavalo em disparada lembrando Roy Rogers e Rocky Lane, em perseguição a Lyle Bettger. Outras sequências rodadas no Iverson Ranch fazem com que “Tambores da Morte” mais se assemelhe a um faroeste ‘B’, com a diferença do Technicolor que realça as paisagens. O cinegrafista foi Harold Lipstein e a economia do filme é notada no uso de cena de arquivo com a presença da Cavalaria, cena em cor, brilho e nitidez visivelmente diferentes. Entre os stuntmen estão os excepcionais David Sharp e Cliff Lyons dando maior veracidade aos momentos de ação. Uma agradável surpresa é a música não creditada de Henry Mancini que compôs muito para a Universal antes de se tornar um dos maiores nomes da música para filmes no cinema e na TV. Diversão garantida, “Tambores da Morte” é um pequeno clássico dos faroestes rotulados como menores dos anos 50.

Hugh O'Brian espanca Audie Murphy e ameaça matá-lo com o garfo de feno;
nas fotos de baixo James Anderson toma uma surra de Audie Murphy
dentro de um enorme bebedouro de cavalos.

Hugh O'Brian lembrando Jack Palance ("Shane"); Emile Meyer ao lado de
Walter Brennan que exibe os dentes orgulhosamente; abaixo a recompensa
de Audie Murphy nos braços da mocinha Lisa Gaye.

Pôsteres de "Tambores da Morte": o original norte-americano, o francês,
o italiano e o alemão que mais parece cartaz de filme-noir.



19 de novembro de 2013

WESTERNTESTEMANIA N.º 26 - "ATRÁS DAS GRADES"

Confira as respostas abaixo da décima pergunta.