UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

30 de junho de 2014

WESTERNTESTEMANIA N.º 30 - 'BELAS & COLTS' (II)



Os faroestes norte-americanos sempre apresentaram belas mulheres
que atraíam ainda mais os fãs de westerns.
O WESTERNCINEMANIA desafia o leitor a responder acertadamente
às dez perguntas abaixo sobre as cowgirls das fotos e os westerns em foco.
(Respostas após a última pergunta)












27 de junho de 2014

O CORREIO ÍNDIO (BY INDIAN POST) – WESTERN-COMÉDIA DE 1919 DE JOHN FORD


Acima Francis Ford e Carl Laemmle;
abaixo os irmãos Francis e John Ford.
John Ford é um cineasta tão importante que muitos de seus filmes são vistos (e estudados) diversas vezes. Mas como todos, em qualquer profissão, Ford também teve sua fase de aprendizado um dia e isso ocorreu na Universal Film Manufacturing Company. O começo de Ford no cinema é bastante conhecido, mas não custa lembrar que seu irmão Francis Ford era um dos grandes astros do cinema mudo e atuava naquele estúdio fundado e dirigido pelo pequeno alemão Carl Laemmle. Francis Ford era também diretor e com sua influência conseguiu que seu irmão mais novo fosse contratado como ator. O nome artístico do irmão de Francis era ‘Jack Ford’ e após participar de alguns filmes entre os anos de 1913 a 1917, Jack foi guindado à condição de diretor. E isso aconteceu porque Carl Laemmle percebeu a facilidade de Jack Ford ajudando seu irmão Francis Ford, especialmente na movimentação dos muitos extras durante uma filmagem, o que exigia personalidade forte e voz de comando. Jack Ford tinha tudo isso e muito mais. Laemmle determinou que Jack dirigisse o western “O Furacão” (The Tornado), no qual Jack também atuava. O resultado foi tão satisfatório que Jack Ford deixou de ser ator e só no ano de 1917 dirigiu outros oito filmes curtos.

Pete Morrison
Tesouro perdido - Entendia-se por ‘short’ (filme curto) os filmes de dois rolos (two reels) com duração aproximada de 20 minutos, filmes que eram exibidos como complemento de outros de maior duração, com três rolos ou mais. Foi então que Jack Ford iniciou uma bem sucedida parceria com Harry Carey, na Universal, filmando uma série de westerns. Em 1919 Jack Ford dirigiu 15 filmes, cinco deles de dois rolos, e entre eles o western-comédia intitulado “O Correio Índio” (By Indian Post). Logo Jack Ford passou a ser um dos principais diretores da Universal, mas seu talento só foi reconhecido devidamente com “O Cavalo de Ferro” (The Iron Horse), em 1924. A partir de então Ford, já chamado como John Ford, passou para o time dos mais conceituados diretores norte-americanos. Hoje Ford aparece quase que unanimemente como um dos mais importantes cineastas de todos os tempos no mundo inteiro, o que faz com que sua obra seja alvo de estudo por parte de críticos e futuros cineastas. No entanto quase nada restou das dezenas de filmes que John (Jack) Ford rodou nos primeiros anos como diretor. E para surpresa (e alegria) geral foi descoberto há poucos anos nos Estados Unidos uma cópia de “O Correio Índio”. O proprietário dessa cópia, sabe-se lá por qual razão, cortou os primeiros sete minutos do filme que foram perdidos, restando então apenas 13 minutos dessa curiosidade cinematográfica.


A carta roubada.
Carta de amor roubada - Um dos gêneros que mais agradava a plateia nos primórdios do cinema era a comédia e mesmo westerns eram filmados explorando o lado jocoso do Velho Oeste. “O Correio Índio” do título nada mais é que um índio que pratica roubos num alojamento de cowboys e se apossa de uma carta de amor endereçada à jovem Peg Owens (Magda Lane). A carta foi escrita por Stumpy (Ed Jones), o cozinheiro do rancho, a pedido do cowboy Jode MacWilliams (Pete Morrison), que é apaixonado por Peg. O proprietário do rancho e pai de Peg é Pa Owens (Duke R. Lee) que não admite que sua filha flerte com Jode, ameaçando dar-lhe uma surra se isso voltar a acontecer. A carta de amor acaba sendo entregue por Two Horns (Jim Moore), o índio ladrão, a Peg que também gosta de Jode. Pa Owens briga com o namorado da filha, o aprisiona e o mantém trancado um quarto de hotel. Porém com a ajuda do amigo Chub (Hoot Gibson), Jode consegue escapar levando Peg consigo. Por sorte encontram um ministro que os casa, certamente para desgosto de Pa Owens que pretendia para a filha um melhor casamento.

A carta escrita pelo cozinheiro Stumpy; Two Horns roubando o alojamento;
o índio encaminhando a carta a Peg; Pa Owens acertando as contas
com o conquistador de sua filha.

Jode e Peg juntos e casados.
A mão pesada de Ford - A história de “O Correio Índio” se passa num rancho e assim como é um faroeste, poderia ser uma comédia urbana ou desenvolvida em qualquer outro cenário. E nada de notável se observa na direção de Jack Ford que pudesse antever seu gênio criativo, diferentemente de David W. Griffith que fazia de cada sequência uma aula de cinema, isto quando essa arte ainda engatinhava. Muitos consideram que Ford tinha mão pesada para comédias, ele que gostava de inserir situações cômicas em seus filmes. Em “Rastros de Ódio” (The Searchers), por exemplo, há críticos que não vêem nenhuma graça nas participações de Hank Worden (Mose Harper) e Ken Curtis (Charlie McCorry). E abominam a participação da índia Look (Beulah Archuletta) considerando esse trecho do filme como de extremo mau gosto. Mas é inegável que algumas sequências, especialmente aquelas com Ward Bond são muito engraçadas. E não é nenhum absurdo considerar “Depois do Vendaval” como uma das grandes comédias de todos os tempos. “O Correio Índio” não chega a ser hilariante, mas provoca alguns risos, especialmente com Hoot Gibson e com a fúria de Duke R. Lee, o pai da moça. O aspecto da diferença de classes é ressaltado pois o cowboy é pobre e vive num alojamento e passa por maus bocados com o uso da força por parte do poderoso rancheiro. Os pombinhos ficam juntos ao final, mas não sem antes surgir providencialmente um ministro para casá-los, como mandavam as regras morais da época. E não escapa de nenhum observador o estereótipo do índio ladrão roubando chapéus, botas e tudo mais que conseguir levar enquanto os cowboys dormem.

O muito jovem Hoot Gibson de ceroulas; o ministro de camisola.


Diretor aos 23 anos de idade - Infinitamente mais importante na filmografia inicial de John (Jack) Ford, isto segundo jornais e revistas da época, são os filmes da série ‘Cheyenne Harry’, interpretados por Harry Carey. E ainda bem que “O Último Cartucho” (Straigh Shooting), um dos filmes dessa série dada como perdida, foi descoberto em 1966 para que se avalie porque a parceria Ford-Carey deu tão certo. À esquerda pôster do lançamento de "O Último Cartucho" em DVD. A série 'Cheyenne Harry' fez do ator um dos grandes astros do western, comparado mesmo a William S. Hart e chamou a atenção para o jovem diretor de 23 anos que escreveria uma das mais belas páginas da história do cinema.


Montar saltando sobre o cavalo era clichê que emocionava a platéia.

John Ford de pulover escuro dirigindo uma sequência dentro d´'agua

23 de junho de 2014

A PISTA DO RENEGADO (LARAMIE) – CHARLES STARRETT NA DILIGÊNCIA DE JOHN WAYNE


Lobby-card com Tommy Ivo e
Charles Starrett, o Durango Kid.
Charles Starrett interpretou Durango Kid em 60 westerns-B da Columbia Pictures e essa série de filmes é lembrada por ter sido uma das mais econômicas que se conhece num segmento que primava justamente por gastar o mínimo possível. Na série ‘Durango Kid’ não havia uso, mas sim abuso de cenas de ‘stock’ por ordem do mogul do estúdio Harry Cohn. Em alguns exemplares da série estrelada por Charles Starrett praticamente metade do filme era feito com cenas aproveitadas de outros faroestes com o herói mascarado. E mesmo cenas de outros filmes, alguns bastante conhecidos do público, eram utilizadas sem nenhum acanhamento pela Columbia. E ainda assim Charles Starrett esteve sempre presente (c0m exceção de 1943) na enquete anual que a Motion Picture Herald fazia junto ao público das matinês para eleger os dez mocinhos favoritos do cinema. Isto de 1937, quando Starrett apareceu pela primeira vez na enquete, até 1952 quando ela deixou de ser feita. No western-B “Laramie”, que no Brasil teve o título “A Pista do Renegado”, a Columbia teve o desplante de usar cenas de “No Tempo das Diligências” (Stagecoach), conseguindo o milagre de colocar John Wayne num western da série ‘Durango Kid’.


Acima Bob Wilke, Jay Silverheels e
Rodd Redwing; abaixo Charles
Starrett, Myron Healey e
Fred F. Sears.
Batedor traiçoeiro - “A Pista do Renegado” traz Charles Starrett como sempre interpretando um ‘Steve’, desta vez Steve Holden. Designado pelo Comissário de Paz para reverter a situação que toma rumos perigosos com escaramuças entre brancos e índios, Steve chega ao Forte Sanders, situado a Oeste de Laramie. As negociações de paz começam com uma reunião com a presença do Coronel Dennison (Fred F. Sears) comandante do Forte e com o chefe índio. Este, em plena reunião, é alvejado por um tiro de espingarda e morre. O autor do assassinato é Cronin (Robert J. Wilke) o batedor do Forte Sanders. L.D. Brecker (John Diehl) é o agente responsável pela concessão de terras em Laramie, mas Brecker sabe que pode ganhar muito mais dinheiro contrabandeando rifles para os índios em troca de peles. Para isso Brecker se mancomuna com Cronin e o plano dos dois bandidos é provocar os índios para eles declararem guerra. Para a guerra os índios precisam dos rifles. O novo chefe dos índios é Running Wolf (Jay Silverheels) que agora com seus bravos fortemente armados com os rifles fustiga o Exército fazendo prisioneiros e atacando diligências. Steve Holden se transforma em Durango Kid e tenta evitar a guerra, mas quem resolve a questão é mesmo Steve, salvando a diligência que conduz o Comissário Briggs (Nolan Leary). A diligência é perseguida pelos índios até a providencial chegada da Cavalaria, a prisão de Cronin e o restabelecimento da paz.

Charles Starrett entre os bandidos Ethan Laidlaw, Robert J. Wilke,
John L. Cason e John Diehl; na outra foto Starrett e Bob Wilke.

Smiley Burnette e Tommy Ivo
Bota denunciadora - Acima da média na trama mesmo partindo de um roteiro simples, “A Pista do Renegado” ainda chama os índios de ‘demônios vermelhos’ e faz deles os responsáveis pela morte da esposa do coronel Dennison. Menos mal que alguns homens brancos sem escrúpulos são mostrados como os verdadeiros semeadores da discórdia e fomentadores da guerra. A pista do renegado do título refere-se à marca do salto gasto da bota do batedor-bandido Cronin, marca identificada por Steve Holden. Fica o sapateiro Smiley Burnette incumbido de descobrir a quem pertence a bota com salto defeituoso. E para a garotada cujos sonhos eram povoados por fortes apaches, uniformes da Cavalaria e a vida heroica dos soldados, o tratamento dispensado ao menino Denny Dennison (Tommy Ivo) é desestimulante. E Denny é quem deixa uma pista (um soldadinho de chumbo) para se chegar ao esconderijo onde foi feito refém. O garoto Tommy Ivo, então com 12 anos, é quem torna real na tela a imaginação de tantos e tantos meninos de cavalgar ao lado de Durango kid e mais ainda, vestido como soldado da Cavalaria.

Cavalgada de Tommy Ivo; Smuley Burnette e Charles Starrett.

Acima Robert J. Wilke;
abaixo Elton Britt.
Muita maldade em 55 minutos - “A Pista do Renegado” tem alguns ingredientes que o diferenciam da maior parte dos filmes da série ‘Durango Kid’. A começar pela presença menor do herói mascarado vestido de preto montado em seu magnífico cavalo branco. Menos Durango Kid e mais Charles Starrett o que é muito bom também, com Starrett dispensando dublês e mostrando porque era dos mocinhos mais queridos do cinema. E não é que Smiley Burnette está menos enfadonho que em outros filmes, contando com a ajuda de George Lloyd nas gags. Até mesmo as duas canções que ele canta são muito bem encaixadas nos intervalos da trama. E falando em música, “A Pista do Renegado” é oportunidade única para se ver e ouvir na tela Elton Britt, também em duas canções, uma delas com um sensacional yodel que já vale o ingresso. Fred F. Sears deixa a direção para Ray Nazarro e interpreta o comandante do Forte Sanders. Meses antes de ser o ‘Tonto’ da série ‘The Lone Ranger’, Jay Silverheels interpreta o novo chefe da tribo, com uma alegoria na cabeça que mais de 60 anos depois Johnny Depp exageraria no recente “The Lone Ranger”. Mas o melhor de tudo é mesmo o vilão da história, interpretado por Robert J. Wilke que já permite antever quanta maldade faria em filmes próximos. Wilke assassina um chefe índio, trai a confiança do superior, faz parte de uma quadrilha, traveste-se de índio e só não é mais cruel porque o filme tem apenas 55 minutos de duração.

Smiley, Starrett, George Lloyd, Fred F. Sears, Tommy Ivo e Jay Silverheels;
Robert J. Wilke disfarçado de índio; George Lloyd e Smiley Burnette;
Fred F. Sears e Tommy Ivo.

Starrett e Burnette;
Charles Starrett com camisa
de Ringo Kid.
Cenas ‘emprestadas’ - Se como bom western-B “A Pista do Renegado” cumpre seu intento de divertir sem maior compromisso, nos últimos dez minutos o filme se transforma numa grande surpresa para o espectador. A ação se passa a Oeste de Laramie, mas repentinamente uma diligência cruza o Monument Valley puxada por six black horses. A imagem é por demais conhecida, imortalizada na galeria dos momentos inesquecíveis do cinema por John Ford. Os índios que atacam a diligência gora são navajos, parecidos com os de “No Tempo das Diligências”. Parecidos não, são os mesmos... Açoitando os cavalos é visto Buck (Andy Devine) e atirando pedras nos animais o xerife Curley (George Bancroft), ambos numa tomada por trás da boleia. Ops! Charles Starrett troca sua camisa sem nenhum enfeite, a mesma que parece usar desde seu primeiro western por uma camisa azul ou vermelha (o filme é em preto e branco), idêntica à de Ringo Kid (John Wayne) e entra na diligência como se fosse o Duke no clássico de Ford. Passando para cima da diligência é John Wayne, inconfundível, mesmo porque a cena é de “No Tempo das Diligências”, assim como os momentos mais emocionantes da perseguição, não faltando nem as proezas dos dublês Yakima Cannut e Cliff Lyons. Qualquer criança nas matinês em que foi exibido “A Pista do Renegado” percebe que foram usadas cenas de outro filme, mas a montagem caprichada torna tudo aceitável e como a garotada deve ter vibrado muito com as imagens extraídas do grande western de 1939.

Mescla de fotos de cenas filmadas por John Ford e mais duas fotos 'estranhas'
filmadas por Ray Nazarro com Charles Starrett imitando John Wayne.

Todas as fotos extraídas de "A Pista do Renegado", aventura de Durango Kid.

Duke e Durango Kid juntos - “No Tempo das Diligências” foi produzido por Walter Wanger e distribuído pela United Artists e é no mínimo estranho que dez anos depois pudesse ter sequências ‘emprestadas’ sem nenhuma cerimônia pela Columbia. Muito cedo para o filme ter caído em domínio público, “A Pista do Renegado” representou uma espécie de vingança de Harry Cohn contra John Wayne. No início de sua carreira o Duke foi desprezado pela Columbia e jurou que jamais trabalharia para Harry Cohn, o chefão do estúdio. De forma indireta Wayne acabou participando de um ‘Durango Kid’. Quem ganhou com isso, evidentemente, foi “A Pista do Renegado”, western-B como sempre produzido por Colbert Clark e com roteiro do profícuo Barry Shipman que escreveu inúmeros roteiros para a série ‘Durango Kid’. E ganharam também os fãs da série que puderam assistir a um ‘Durango Kid’ que tem até a presença de John Wayne.


Robert J. Wilke e Charles Starrett

18 de junho de 2014

PACTO DE JUSTIÇA (OPEN RANGE), O ADMIRÁVEL WESTERN DE KEVIN COSTNER


Kevin Costner
A carreira de Kevin Costner mais parece uma gangorra, alternando filmes de sucesso com monumentais fracassos artísticos e financeiros. Dos poucos atores de sua geração a atuar em faroestes, Costner conheceu a glória com “Dança com Lobos” (1990), que além de interpretar também dirigiu, filme que ganhou prêmios e rendeu bastante bem nas bilheterias. Em seguida, apenas como ator, Costner estrelou “Wyatt Earp” (1994), que não agradou nem crítica e nem público, sendo mais uma referência em sua lista nada pequena de fracassos. Revelado para o cinema no faroeste “Silverado” (1985), Kevin Costner voltou ao gênero em 2003 atuando e dirigindo “Pacto de Justiça” (Open Range), seu melhor filme. “Pacto de Justiça” custou 22 milhões de dólares e rendeu 70 milhões de dólares e mesmo assim Kevin Costner não voltou a dirigir nenhum outro filme e só participou como ator de novo faroeste na mini-série feita para a TV “Hatfields & McCoys”.


Michael Gambon
Desafio a um tirano - Quando adolescente Kevin Costner era um dos muitos leitores das centenas de histórias de faroeste escritas por Lauran Paine (Lawrence K. Duby Jr.) lançadas em edições baratas. Um desses livros tinha o título “The Open Range Men” e impressionou Costner que adquiriu os direitos cinematográficos da história para a sua produtora. O roteiro foi escrito por Craig Storper e conta como os cowboys Boss Spearman (Robert Duvall) e Charley Waite (Kevin Costner) se revoltam contra o tirânico e violento barão de gado Denton Baxter (Michael Gambon). Além de mandar na cidade de Harmonville, Baxter não permite que criadores itinerantes como Spearman alimentem seus rebanhos nos campos abertos nos arredores das fazendas que Baxter possui. Spearman é o patrão para quem Charley Waite trabalha há dez anos e trabalham também para Boss o grandalhão Mose (Abraham Benrubi) e o jovem Button (Diego Luna). Mose vai até Harmonville onde é barbaramente espancado pelos homens de Baxter e jogado uma cela da cadeia local pelo xerife Poole (James Russo). Mose é atendido pelo médico da cidade, o Dr. Barlow (Dean McDermont) e pela irmã deste, Sue Barlow (Annette Bening). Nem bem se recupera e Mose é morto pelos homens de Baxter que ainda ferem gravemente Button. Esse fato leva Spearman e Waite ao confronto com Baxter e com aos muitos homens que para ele trabalham, incluído o xerife Poole. Os dois cowboys levam a melhor no confronto desigual contando com o apoio de alguns cidadãos de Harmonville, onde a paz volta a reinar.

Robert Duvall e Clint Eastwood:
semelhanças.
Princípios particulares - A história simples de “Pacto de Justiça” revisita o tema, tantas vezes explorado pelos faroestes, do rico e poderoso que oprime os mais fracos fazendo valer a lei da intimidação através da violência. “Os Brutos Também Amam” (Shane) é o mais clássico dos exemplos desse tema e o western de Costner tem muito do filme de George Stevens num estilo mais moderno que o aproxima também de “Os Imperdoáveis” (Unforgiven), de Clint Eastwood. Harmonville lembra bastante o lugarejo onde Shane surge para ajudar os Starrets e demais sitiantes. Assim como em “Shane”, momentos importantes de “Pacto de Justiça” são passados dentro de um bar, não faltando as ruas enlameadas, as pessoas simples e insatisfeitas à espera de um líder, o funeral e até mesmo um cão branco. As sequências noturnas e em meio a tempestades de “Pacto de Justiça” foram exaustivamente utilizadas por Clint Eastwood em “Os Imperdoáveis”, assim como o passado de Charley Waite é obscuro como o de Bill Munny. Waite aprendeu a matar friamente na Guerra Civil e colocou seu revólver a serviço de algum dos tantos Baxters do Oeste. Princípios próprios, entre eles a lealdade, levam Charley Waite e Boss Spearman a arriscar suas vidas contra aquilo que representa tipos como o poderoso dono de Harmonville. “Um homem não pode determinar onde o outro deve ir. Ele (Baxter) está atravessado em minha garganta”, diz Charley ao amigo Boss. E completa em outro momento, antes do enfrentamento: “Há coisas que atormentam um homem mais do que a morte”. Homens que pensam dessa forma não se submetem a opressores e assim são os dois cowboys de “Pacto de Justiça”.

Robert Duvall e Kevin Costner

Duvall e Costner
Justiça e vingança juntas - “Buscamos justiça e não vingança”, diz Boss impedindo Charley de atirar num capanga de Baxter que está ferido. A frase busca expressar a diferença entre vingança e justiça, mas ocorre que em Harmonville a justiça atende pelo nome de Denton Baxter, o que permite que os termos se associem perdendo a distinção. “Podem ser coisas diferentes, mas hoje não são”, Charley responde laconicamente a Boss. Não exatamente mais uma história sobre vingança, mas a necessidade de fazer justiça e de fazer valer direitos expropriados é que movem os dois cowboys em direção ao que parecia ser o fim de ambos. O que engrandece “Pacto de Justiça” é a delicadeza com que Kevin Costner conduz um filme de extremada violência que jamais é gratuita. Poeticamente, ao estilo de John Ford, a amizade entre Boss e Charley é traduzida em pequenos gestos e frases. O mais lírico desses momentos é quando Boss insiste para que Charley diga a Sue Barlow, antes do confronto final, que gosta dela. E como é grande e respeitosa a amizade entre dois cowboys que mal sabem detalhes e segredos de suas vidas, mal sabem os próprios e verdadeiros nomes. “Pacto de Justiça” que encena um showdown final realístico, longo e tenso, reserva doses de singelo humor como a revelação do nome de batismo de Boss que é ‘Bluebonnet’, o nome de uma flor. Há ainda o desconforto com as xícaras de chá cujos dedos dos cowboys não se ajustam e as tábuas para atravessar a rua inundada pela chuva em Harmonville. E com que graça o mesmo Boss aplica clorofórmio no cínico xerife Pooley e em outros capangas, a quem pergunta sadicamente, clorofórmio à mão: “Vamos tomar o café da manhã?”


Kevin Costner e Annette Bening
Delicada história de amor - Mulheres, no mais das vezes, são meros enfeites em westerns, contraponto de beleza à rudeza dos cowboys. Em “Pacto de Justiça” Sue Barlow é um retrato perfeito da mulher forte e determinada que ajudou a construir o Oeste. Nada de roupas elegantes e menos ainda cabelos cuidados e beleza estonteante e sensualidade. Sue Barlow é uma mulher madura, desencantada com a vida e com a possibilidade de vir a ter um casamento feliz. Charley (e Boss) imaginam ser ela a esposa do médico de Harmonville e a descoberta acidental do parentesco fraterno dos Barlows cria um contentamento mudo com a perspectiva do agora lícito envolvimento entre Charley e Sue. Boss percebe desde o primeiro instante o interesse mútuo e contido entre o amigo e a mulher pois afinal Sue deveria ser casada. Como raramente se vê em um western, aflora suavemente o amor integrando-se à história. Boss quer a felicidade do amigo, felicidade que ele sabe ser possível junto a uma mulher como Sue Barlow. Se o eixo de “Pacto de Justiça” reside na amizade entre Boss e Charley, não menos elevada é a história de amor paralela que se desenvolve entre Sue e Charley.

Kevin Costner e Kim Coates
Duelo e tiroteio infernais - Evocativo do confronto travado no Curral OK é a caminhada de Baxter e mais quatro capangas em direção a Boss e Charley. Embate rápido, frontal e sem os lances mais elaborados com excessos de detalhes e comuns aos duelos cinematográficos. A experiência de Charley como pistoleiro é que decreta a vantagem dos dois cowboys. Diferentemente, a longa sequência em que Boss (ferido) e Charley se defrontam com o também alvejado Baxter e com o reforço de vários homens, esta é mais coreografada. Kevin Costner abre mão do uso da câmara lenta que ocorre apenas por segundos quando da caminhada de Boss em direção ao local onde se encontra o baleado Baxter. E se Costner não se autopermite uma superexposição durante a maior parte do filme, é nesse segundo confronto que seu personagem se torna mais heroico. O quase descaso de Charley ao disparar contra o capanga de Baxter que usa Sue como escudo comprova ter sido ele um frio gunman. Um achado do roteiro é a fala de Doc Barlow dizendo a Baxter que não cuidaria de seu ferimento caso ele disparasse contra o indefeso Button, momento complementado por Boss ao decidir não desperdiçar uma bala como tiro de misericórdia no odioso Baxter. Outra vez “Shane” é citado com o impressionante impacto do disparo da carabina de Boss fazendo voar por três metros o corpo do homem alvejado. Impossível não lembrar ‘Stonewall’ Torrey atirado na lama pelo disparo do pistoleiro Jack Wilson.

Showndown em Harmonville.

Robert Duvall e Annete Bening
Robert Duvall em primorosa atuação –Elogiosa a opção de Costner como diretor de fazer do personagem de Robert Duvall o principal do filme. Respeitosamente num segundo plano, Costner permite que Duvall praticamente repita sua criação memorável como ‘Gus McCrae’ em “Pistoleiros do Oeste” (Lonesome Dove), de 1989. Numa carreira repleta de atuações superlativas, Robert Duvall brilha em cada sequência e comprova ser um dos grandes atores do cinema norte-americano. Kevin Costner, também produtor de “Pacto de Justiça”, afirmou que se Duvall não aceitasse o convite para o filme ele Costner desistiria do projeto. Kevin Costner com um Stetson alto e autenticidade de verdadeiro cowboy se assemelha a um misto de William S. Hart com Slim Pickens, tendo convincente atuação. E Annette Bening como Sue Barlow se inscreve entre as grandes personagens femininas dos faroestes. A expressão sofrida e sem esperança de seu olhar, seu riso discreto e nenhuma preocupação em tornar Sue Barlow bonita dão a Annette Bening um irresistível charme. Michael Gambon revive os vilões criados por John McIntire e James Russo, o submisso xerife poderia ser mais cruel do que o filme mostra. Último trabalho de Michael Jeter como Percy, o dono do estábulo e a quem Kevin Costner dedica o filme. O mexicano Diego Luna, então com 23 anos, interpreta o adolescente Button de 16 anos sobrepujado pela boa atuação do corpulento Abraham Benrubi (Mose).

Uma das ilustrações de "Open Range".
Alinhado às obras-primas do faroeste - “Pacto de Justiça” é um esplêndido retrato das campinas norte-americanas filmadas no... Canadá. Kevin Costner escolheu as locações em Calgary e nas reservas indígenas de Alberta e só a construção da cidade de Harmonville custou um milhão de dólares. O resultado foi um filme com imagens magnificamente captadas pelo diretor de fotografia J. Michael Muro, o mesmo de “Dança com Lobos”. Imagens, história e interpretações fizeram de “Pacto de Justiça” um clássico imediato, irrepreensível, não fosse o desnecessário, prolongado e redundante final que poderia ter sido encurtado em pelo menos dez minutos. Assistir a este bem sucedido filme de Kevin Costner leva inevitavelmente à pergunta por que são filmados tão poucos faroestes? A resposta é que dos poucos westerns produzidos nos últimos 30 anos, apenas “Os Imperdoáveis” (Unforgiven), ao lado de “Pacto de Justiça” merecem estar ao lado das obras-primas que o gênero legou ao cinema.

O espetacular impacto provocado pelo tiro do rifle de 'Boss' (Duvall).

O cão Tig deitado sobre Mose e Charley Waite ao lado da porcelana.