UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

28 de setembro de 2015

PISTOLEIRO POR EQUÍVOCO (TWO GUNS AND A BADGE) – O FIM DE UM CICLO DO CINEMA


Hoje cada vez mais raros nas telas, os westerns tiveram seus anos de glória no cinema falado nas décadas de 30 a 50. Em 1950 foram produzidos em Hollywood nada menos que 130 faroestes, 61 pelas produtoras chamadas de ‘Majors’ e 69 pelas denominadas ‘Independents’. ‘Majors’ eram os estúdios maiores: Warner, Fox, Metro, Columbia, Paramount, RKO, Universal e United Artists. Formavam o grupo dos Independentes os estúdios e produtoras menores, liderados pela Republic Pictures, que produziam westerns de pequeno orçamento. Enquanto um filme rotulado como ‘A’ custava em média 800 mil dólares em 1950, um filme ‘B’ não ultrapassava os 100 mil dólares. Já os westerns ‘B’ produzidos pelas companhias independentes tinham um custo ainda menor, alguns eram feitos por 50 mil dólares. Essa mágica tinha uma explicação pois esses westerns ‘B’ eram produzidos em série, com o mesmo ator, o ‘mocinho’, elencos de apoio que variavam pouco, mesmos diretores e nunca ultrapassavam cinco ou seis dias de filmagem cada um, tudo em nome da economia. Cenas de arquivo eram utilizadas sem nenhum constrangimento e o espectador tinha a impressão de já ter visto aquele tiroteio, aquela troca de socos ou aquele ‘stampede’. Quando a Republic Pictures decidiu encerrar a produção de westerns ‘B’, em 1953, a Allied Artists prosseguiu por mais alguns meses produzindo faroestes com Bill Elliott e Wayne Morris. No dia 12 de setembro de 1954 foi lançado nos cinemas o derradeiro western produzido nesses moldes, “Two Guns and a Badge”, que no Brasil se chamou “Pistoleiro por Equívoco”.


Wayne Morris e Morris Ankrum;
abaixo um dos dois coldres do
pistoleiro Hank Bartlett.
Equívoco proposital - A pequena cidade de Outpost tem Jackson (Morris Ankrum) como xerife. Jackson é um homem cansado que se confessa impotente para expulsar da cidade um bando de ladrões de gado que roubam reses dos pequenos criadores. O xerife Jackson propõe aos criadores a contratação de Hank Bartlett, um pistoleiro que ele conheceu tempos atrás. Enquanto se discute a contratação do pistoleiro, Jim Blake (Wayne Morris) vaga pelas redondezas de Outpost, deparando-se com o corpo de um homem morto e esse homem é justamente Hank Bartlett. Jim Blake enterra Bartlett mas fica com o cinturão de dois coldres e revólveres com as iniciais H.B. do pistoleiro morto. Chegando a Outpost, Jim Blake é confundido com Hank Bartlett e resolve não desfazer a confusão. Porém o xerife Jackson sabe que Jim Blake não é Hank Bartlett, mas estimula o equívoco para amedrontar os ladrões de gado, contratando o falso Bartlett como seu assistente. Bill Sterling (Roy Barcroft) é o mais bem sucedido dos criadores e sua filha Gail (Beverly Garland) é noiva do jovem criador Dick Grant (William Phipps). Grant é quem está por trás dos roubos, organizando a quadrilha de ladrões de gado e tenciona matar o assistente de xerife. Descoberto pelo ilegítimo homem da lei, Grant acaba morto e Jim Blake, assumindo sua verdadeira identidade, é nomeado xerife e fica com Gail Sterling.

Beverly Garland com Wiliam Phipps;
abaixo Beverly com Wayne Morris.
Falsidade ideológica - Um dos mais desgastados clichês dos westerns B produzidos em série era quando o personagem principal se fazia passar por outra pessoa. Criava-se, com isso, a incerteza necessária à trama, ainda que o espectador, quase sempre, soubesse da verdadeira identidade do personagem. Em “Pistoleiro por Equívoco”, pela enésima vez o truque é utilizado e o herói adultera sua identidade e o faz porque isso facilitará seu recomeço de vida. Jim Blake passou três anos numa penitenciária cumprindo pena por uma tentativa de assalto a diligência. Recomeça, então, cometendo novo crime, o de falsidade ideológica, crime compensado pelo status adquirido de homem da lei e, de quebra, por atrair a simpatia da jovem bonita filha do mais poderoso criador da região. Gail, a moça, não se apega aos princípios de fidelidade pois mesmo noiva sucumbe ao charme do fictício pistoleiro. Partindo de um clichê, “Pistoleiro por Equívoco” desenvolve uma trama bastante bem engendrada, pouco comum a esse tipo de filme destinado a um público que prefere ação a longos diálogos esclarecedores de situações pouco claras.

Wayne Morris
Herói lento e pesado - Se a trama de “Pistoleiro por Equívoco” é interessante, os diálogos cáusticos e incisivos, algo também inusitado nesse tipo de western, dão a ele um sabor ainda mais especial. Por previsível que este último filme do veterano diretor Lewis D. Collins possa ser, é muito superior à média das produções do ciclo que ele encerrou, como se convencionou afirmar. Isso mesmo o filme tendo que enfrentar o problema maior que é a falta de carisma de Wayne Morris, ator que não se ajusta à figura de homem do Oeste, além de lento e pesado com uma protuberante cintura, maior mesmo que a de Roy Barcroft. Uma única vez o personagem de Morris arrisca um rápido corpo a corpo com um bandido que tem quase a metade do seu tamanho. Inconvincente com as armas nas mãos, Morris é um equivocado pistoleiro e o que sustenta o filme é a direção segura de Collins e o bem engendrado roteiro. Normalmente as personagens femininas tem menor importância nos westerns B, mas não é o que acontece com a mocinha vivida por Beverly Garland, insinuante e decidida mulher com ótima participação na história.

Wayne Morris com Beverly Garland e Lyle Talbot; à direita Wayne e Beverly.

Roy Barcroft (acima)
 e I. Stanford Jolley
Homens maus do lado do bem - Eterno bandido, Roy Barcroft desta vez interpreta simpaticamente um homem honesto e frustra o espectador que até o final aguarda por vê-lo como o clássico homem mau de sempre, o ‘Rei dos Vilões da Republic Pictures’. Morris Ankrum é o melhor dos atores num elenco que conta ainda com Robert J. Wilke num papel com poucas oportunidades de personificar um rude facínora como ele sabia fazer muito bem. Com 67 minutos de duração, este western traz ainda as presenças de William Fawcett como dono do saloon e de Lyle Talbot como um médico, ambos também pouco aproveitados. Talbot era o ator favorito do lendário Ed Wood Jr., diretor dos cults piores filmes de todos os tempos. Lyle Talbot é lembrado ainda por ter sido o primeiro ‘Comissário Gordon’ e o primeiro ‘Lex Luthor’ do cinema, respectivamente nos seriados “A Volta do Homem Morcego” (1949) e “O Homem Atômico Contra o Super-Homem” (1950). O nada confiável I Stanford Jolley era presença constante nos westerns do diretor Collins estrelados por Bill Elliott e Wayne Morris, para a Allied Artists. Desta vez Jolley, assim como Roy Barcroft está do lado do bem.

Robert J. Wilke à esquerda e à direita com Roy Barcroft.

Saudosas matinês dominicais - Encerrar um ciclo tão longo e produtivo de filmes é uma inusitada honraria, ainda mais quando nesse ciclo desfilaram Buck Jones, Tom Mix, Hopalong Cassidy, Ken Maynard, Bill Elliott, Charles Starrett, Tim Holt, Rocky Lane, Roy Rogers, Gene Autry, Rex Allen e outros. Qualquer um deles representaria melhor que Wayne Morris o western ‘B’ feito em série pelos pequenos estúdios. Porém se Morris foi um esquecível cowboy do cinema, “Pistoleiro por Equívoco” acabou sendo uma bela despedida daqueles filmes que reinaram soberanos nas saudosas ‘Saturday Afternoons’, aqui no Brasil as matinês de domingo. Para os mais novos que talvez desconheçam o que eram as matinês dos cinemas de bairro das grandes cidades e do interior, a programação normal dos cinemas aos domingos dava lugar a uma programação especial. Essa programação constava sempre de um faroeste e um filme de ação (capa e espada, aventuras). Muitas vezes eram exibidos, para alegria da garotada, dois faroestes. Era apresentado ainda o capítulo semanal de um emocionante seriado, para muitos a atração principal, e ainda curtas de cômicos famosos ou desenhos, além do obrigatório cinejornal. As sessões se iniciavam às 14 horas e terminavam por volta de 17:30, com direito a trocas de gibis e figurinhas. Tudo isso fazia do domingo o dia mais esperado da semana para crianças de todo o Brasil. Bons e inesquecíveis tempos!!!

Logotipos de pequenas produtoras norte-americanas, responsáveis pela maior
parte dos filmes B.

A cópia de "Pistoleiro por Equívoco" foi gentilmente cedida pelo cinéfilo Marcelo Cardoso.

25 de setembro de 2015

WAYNE MORRIS E AUDIE MURPHY – HERÓIS DE GUERRA COM SORTES DIFERENTES


Wayne Morris e Audie Murphy
Qualquer cinéfilo sabe que o baixinho Audie Murphy foi o mais condecorado soldado norte-americano na II Guerra Mundial. Findo o conflito, Audie seguiu uma bem sucedida carreira como ator e, além dele, também Neville Brand e Lee Marvin enveredaram pelo cinema. Neville foi o segundo mais condecorado soldado de Tio Sam naquela Guerra e Marvin também retornou dos campos de batalha ferido e com o peito repleto de medalhas. Muitos ex-soldados se tornaram atores e dessa longa lista são lembrados Chuck Connors, James Arness, Charles Bronson, Ernest Borgnine, Lee Van Cleef, Aldo Ray, Jack Palance e outros. Houve ainda um sem número de atores que, de alguma forma, participaram da II Guerra Mundial mas que eram já atores famosos, merecendo ser lembrados Tyrone Power, James Stewart, Clark Gable, Gene Kelly, Victor Mature, Henry Fonda, Douglas Fairbanks Jr., Spencer Tracy e, menos conhecido que estes, Wayne Morris.

Wayne Morris
Wayne Morris, abatendo os japs - Assim como Audie Murphy, Wayne Morris recebeu muitas honrarias, sendo o mais condecorado piloto da Marinha Norte-Americana, tendo participado de 57 missões e abatido sete aviões japoneses. Ainda ator, Wayne Morris gostava de voar, tornando-se piloto. Com a eclosão da Guerra e com a participação norte-americana, Morris alistou-se na U.S. Navy sendo treinado como piloto e logo entrando em ação, mostrando bravura e perícia incomuns. Wayne Morris nasceu em 17 de fevereiro de 1914, estando, portanto, com 28 anos quando se alistou em 1942. Dez anos mais novo, Audie Murphy era ainda adolescente quando aos 18 anos começou os treinamentos para ser mandado como soldado para o front europeu. Wayne se destacou na faculdade como jogador de American Football e simultaneamente cursava o Pasadena Playhouse, famosa escola de Arte Dramática de Los Angeles. Louro e boa pinta, com 1,88m de altura, Bert DeWayne Morris não demorou a ser percebido por um caçador de talentos da Warner Bros., assinando contrato com o estúdio e participando de seu primeiro filme em 1936. Por coincidência esse filme intitulado “Titã dos Ares” era sobre aviões.

Pausa na carreira para lutar - No ano seguinte, sete filmes depois, Morris interpretou ‘Kid Galahad’ em “Talhado para Campeão”, drama sobre boxe estrelado por Edward G. Robinson, Bette Davis e Humphrey Bogart. Daí para frente Wayne Morris passou a obter cada vez melhores papéis, invariavelmente como ator principal, mostrando ser versátil em dramas, comédias e policiais. Somente em 1941 Morris atuou em um western, “Três Homens Maus” (Bad Men of Missouri), interpretando Bob Younger, um dos três irmãos foras-da-lei. Os demais são Dennis Morgan (Cole) e Arthur Kennedy (Jim). 1941 foi o ano de despedida de Wayne Morris do cinema pois em 1942, depois do ataque japonês a Pearl Harbour,  ele já estava pilotando caças na U.S. Navy. Finda a Guerra, Wayne Morris retornou à Warner Bros. para retomar sua carreira, agora como herói da pátria. E parecia que aquele outro herói ultracondecorado – Audie Leon Murphy – com cara de adolescente e que tentava o cinema teria que lutar muito para chegar onde estava Wayne Morris. Mas não foi bem assim...

À direita pôster de "Três Homens Maus" vendo-se Arthur Kennedy, Dennis Morgan,
Wayne Morris e Jane Wyman; à esquerda cena de "Talhado para Campeão" com
Wayne Morris como o boxeador ladeado por Harry Carey e Edward G. Robinson.

Lola Albright e Wayne Morris
Relegado a filmes ‘B’ - O retorno de Wayne Morris à Warner Bros. foi até auspicioso, com o drama “Vale do Destino”, contracenando com uma das principais atrizes do estúdio que era Ida Lupino. Mas nos filmes seguintes Morris se viu relegado à condição de coadjuvante em filmes, quase sempre estrelados por Ronald Reagan ou por Jane Wyman, quando não pelos dois juntos no tempo em que ainda eram casados. A carreira de Wayne Morris não deslanchou como era de se esperar e a Warner Bros. passou a escalar o ator em  filmes ‘B’, aqueles que complementavam programas duplos. Chamados de ‘Double Features’, esses filmes não ultrapassavam os 80 minutos. Foi assim em “Inferno ou Glória” (The Younger Brothers), em que novamente Morris interpretou um dos irmãos Younger, desta vez Cole. Terminada a vigência do contrato com o estúdio dirigido por Jack Warner, Wayne Morris se viu desempregado uma vez que o contrato não foi renovado, seguindo a nova política dos estúdios de Hollywood.

Única foto conhecida de Wayne Morris com
Audie Murphy, ambos conversando com
Jeanne Cagney, irmã de James Cagney.
Audie cresce, Wayne desce - O declínio de Wayne Morris coincidiu com a ascensão de Audie Murphy que, contratado pela Universal International, fazia westerns um atrás do outro, todos eles rendendo muito ao estúdio. A Universal sabia que descobrira uma mina de ouro ao contratar Audie Murphy e comentava-se que as receitas dos filmes do pequeno novo cowboy ajudavam a produzir westerns mais caros e que nem sempre davam lucro, como os de Anthony Mann com James Stewart. Se a cada filme Audie Murphy mais crescia no conceito dos produtores e junto ao público, Wayne Morris viu-se obrigado a trabalhar para a modesta Monogram, onde estrelou “Vingança que se Desvanece” (Sierra Passage), com Lola Albright no elenco. Notava-se que, aos 35 anos, Wayne Morris acumulava uns quilos a mais, impróprios para a silhueta de um mocinho. Nada que um bom espartilho não disfarçasse, como muitos outros cowboys costumavam fazer para esconder a incômoda barriguinha.

Wayne Morris
Série de westerns B - Em 1951 Wayne Morris atuou em “Guerrilheiros do Sertão” (The Bushwackers), western B cujo pôster colocava em destaque Dorothy Malone e sequer mostrava Wayne Morris. Outros westerns feitos por Morris para as produtoras independentes Westwood Productions e Silvermine Productions foram “Desert Pursuit” e “Missão Cumprida” (The Fighting Lawman), ambos com Virginia Grey, “Enredo Sinistro” (Star of Texas), “The Marksman”, “Texas Bad Man”, “Duelo de Assassinos” (The Desperado). Distribuídos pela Allied Artists, esses westerns eram dirigidos ou por Thomas Carr ou por Lewis D. Collins, especialistas em filmes de baixíssimo orçamento. A Republic Pictures já havia encerrado as séries westerns B com Allan Rocky Lane, Roy Rogers, Sunset Carson, Bill Elliott Monte Hale e Rex Allen, os últimos cowboys do estúdio. O mesmo ocorrera com a Columbia que havia aposentado Charles Starrett e com a RKO que tinha sob contrato Tim Holt. Muitos mocinhos (Roy Rogers, Gene Autry, Hopalong Cassidy) haviam migrado para a novidade chamada televisão e somente Wayne Morris, mesmo sem possuir o renome e o carisma dos mocinhos citados, resistia fazendo, em série, aquele tipo de western, isto até 1954.

Wayne Morris e Beverly Garland
‘O último western B’ - Veio então a derradeira produção distribuída pela Allied Artists com direção de Lewis D. Collins e estrelada por Wayne Morris, western B intitulado “Pistoleiro por Equívoco” (Two Guns and a Badge). Esse faroeste é citado pela quase totalidade dos autores como o ultimo western B produzido em série, adquirindo uma singular fama e status de cult, tornando de certa forma importante, ainda que duvidosamente honrosa, o nome de Wayne Morris. O outro herói de Guerra que se tornara ator, Audie Murphy, seguia estrelando westerns na Universal ao passo que Wayne Morris despencava para quarto ou quinto nome nos créditos dos filmes, isto quando não tinha que buscar trabalho em pequenas participações em séries de TV. Uma boa chance Morris teve em “Alma de Renegado” (Riding Shotgun), western da Warner Bros. com Randolph Scott. Interessante comentar que os westerns de Randolph Scott, Joel McCrea, Audie Murphy, Rory Calhoun e George Montgomery, por muitos chamados de ‘B’, acabaram por criar uma categoria ainda mais inferior para os faroestes da Republic Pictures e congêneres: westerns C ou filmes da Poverty Row, região de Los Angeles onde se situavam os estúdios sem expressão de Hollywood.

Pôster de "pistoleiro por Equívoco"; à direita Wayne Morris aponta two guns
para o vilão Robert J. Wilke.

Kirk Douglas e Wayne Morris
Com Kirk Douglas e Kubrick - “The Lonesome Trail”, de 1955, foi o último western de Wayne Morris, filme que teve no elenco John Agar, outro ator que depois de sentir o sabor do sucesso passou a atuar em produções B. Descendo degrau a degrau rumo ao ostracismo, Wayne Morris tentou a sorte na televisão com a série “The Adventures of the Big Man”, exibida em 1956 e que foi cancelada após 16 episódios. E veio, em 1957, a grande oportunidade para a carreira de Wayne Morris, com “Glória Feita de Sangue”, filme de guerra e primeira obra-prima de Stanley Kubrick. Com Kirk Douglas no papel principal, Wayne Morris como um tenente covarde é o quinto nome do elenco, tendo oportunidade de demonstrar o muito bom ator dramático que era. Tudo indicava que um novo horizonte se desenhava para Wayne Morris, mas paradoxalmente ele não teve nenhum outro convite para um filme, sobrevivendo de suas aparições na televisão.

O piloto Wayne Morris.
A morte num porta-aviões - Se o público olvidou Wayne Morris, as Forças Armadas norte-americanas não o esqueceram e em 14 de setembro de 1959 Morris foi o convidado especial para uma comemoração na Marinha. Lá estava o piloto herói de guerra na Baía de São Francisco, a bordo de um porta-aviões, o mesmo que que fora utilizado no conflito mundial. Morris fora chamado para receber uma homenagem de seu ex-comandante e quando isso acontecia sofreu um fulminante ataque cardíaco. O ator foi levado ao Hospital Naval da Califórnia, mas não resistiu, morrendo ao dar entrada no nosocômio. Wayne Morris deixou viúva sua segunda esposa, Patrícia O’Rourke. Audie Murphy certamente deve ter ficado chocado e triste com as circunstâncias da morte do ex-colega soldado e ator. Mas a vida continuava e Audie, no auge do sucesso cinematográfico, seguia fazendo bons westerns mesclados com outros não tão bons e se desgostando com os críticos que insistiam em afirmar que como ator ele era um pequeno grande soldado.

Audie Murphy
A morte num avião - Audie Murphy teve uma carreira mais brilhante que a de Wayne Morris, mas sua sorte na vida real não foi muito melhor. Após parar de filmar, Audie passou a conviver com uma série de problemas psicológicos (traumas pós-guerra) atribuídos aos momentos que esteve nos campos de batalha, onde assegura-se, ele teria matado pelo menos 240 soldados alemães. A desordem mental de Audie Murphy chegou ao ponto de ele brigar num bar e atirar contra um homem, ferindo-o. Em 18 de maio de 1971, quando estava com 46 anos de idade, o avião particular em que Audie viajava chocou-se contra uma rocha em Roanoke, na Virgínia. Tanto Audie Murphy quanto Wayne Morris foram enterrados com honras militares e quando se compara as carreiras dos dois pode-se afirmar que Audie Murphy teve mais sorte. Sua passagem nos campos de batalha lhe abriram as portas para o cinema, enquanto o contrário ocorreu com Wayne Morris.



À esquerda pôster do western "Duelo de Assassinos"; à direita grande público
aguarda a chegada de Audie Murphy para a estreia de "Terrível como o Inferno",
filme de guerra baseado na vida de Audie Murphy e estrelado por ele.

Pôsteres dos westerns "Vingança que se Desvanece" e "Desert Pursuit" e
lobby-card de "Missão Cumprida", vendo-se Wayne Morris com Virginia Grey.



23 de setembro de 2015

OS MENSAGEIROS DO PERIGO (THE SILVER WHIP) – MUITO BOM WESTERN ‘B’ DA 20th CENTURY-FOX


Jack Schaefer, autor de "Shane".
Jack Schaefer é o autor do livro “Shane”, que deu origem ao western clássico “Os Brutos Também Amam”. Apenas cinco histórias de Schaefer foram aproveitadas pelo cinema, sendo “Shane” a mais famosa. Outra história bastante conhecida desse autor é “Monte Walsh” que virou filme lançado no Brasil como “Um Homem Difícil de Matar” (com Lee Marvin e Jack Palance). “Monte Walsh” teve também uma versão para a televisão com Tom Selleck e Keith Carradine. Jack Schaefer escreveu ainda as histórias que serviram de base para “Honra a um Homem Mau” (Tribute to a Bad Man), com James Cagney e para “Vingança no Coração” (Trooper Hook), com Joel McCrea e Barbara Stanwyck. O primeiro western lançado nos cinemas a partir de uma história de Jack Schaefer foi “Os Mensageiros do Perigo” (The Silver Whip), filme lançado nos Estados Unidos em fevereiro de 1953. Vale lembrar que “Shane” foi filmado em 1951 e só lançado (EUA) em abril de 1953, portanto após “Os Mensageiros do Perigo”, western de pequeno orçamento da 20th Century-Fox, produzido para completar programação dupla dos cinemas. 


Robert Wagner, Ian MacDonald e
Rory Calhoun
Assalto, prisão e linchamento - Em “Os Mensageiros do Perigo” Jean Harker (Robert Wagner) é um jovem condutor júnior de diligências que busca uma promoção para condutor senior na ‘Northwest Overland Stagecoach Co.’, setor de Redrock. Quando enfim essa promoção acontece, Harker é escalado ao lado de Race Grim (Dale Robertson) para conduzir uma diligência que levará 27 mil dólares em ouro a Silver City. Race Grim é um ‘riding shotgun’ (guarda armado) para proteger a carga em companhia de Uncle Ben (Burt Mustin), um veterano ‘riding shotgun’. Viaja ainda na diligência a ‘saloon girl’ Waco (Lola Albright) namorada de Race Grim. Um bando chefiado por Slater (John Kellogg) e Hank (Ian MacDonald) assalta o veículo no posto de troca de Buffalo Gap, roubando a preciosa carga. Uncle Ben e Waco são mortos durante o assalto. Luke Bowen (James Millican) é o superintendente da ‘Northwest Overland Stagecoach Co.’ e inconformado com o fracasso do primeiro trabalho de Jean Arker como condutor o dispensa. Arker é então contratado como ‘deputy’ (assistente) do xerife Tom Davisson (Rory Calhoun). Inicia-se então a caçada aos bandidos que são presos e Race Grim quer que os prisioneiros sejam executados sumariamente, sem julgamento, uma vez que o juiz itinerante só estará em Redrock dentro de duas semanas. Race Grim consegue aprisionar o xerife Davidsson e incita uma turba a invadir a delegacia para linchar Slater e Hank. Ao tentar evitar essa ação, Jean Harker atira em Grim, ferindo-o, chegando logo em seguida o xerife Davidsson que fora libertado. Ao final Arker volta ao posto de principal condutor recebendo do convalescente Race Grim um silver whip (chicote de prata) para conduzir a diligência.

Acima Chuck Connors, John Doucette e
Dale Robertson; abaixo Robert Wagner.
Tramas singulares - Comparada a “Shane” esta história de Jack Schaefer roteirizada por Jesse Lasky Jr. é mais complexa e com muito mais ação, contida num western de 73 minutos de duração. Além disso toca num ponto interessante que é o restrito mercado de trabalho em pequenas cidades do Velho Oeste, onde só resta aos jovens serem guardas ou condutores de diligência ou ainda, se tiverem sorte, assistentes de xerife. De certo que há oportunidade para aqueles que prefiram trilhar os caminhos de foras da lei. Menos singular é o tema da vingança, apenas que desta vez a vingança é praticada por um homem que vê sua namorada ser morta, portanto longe do lugar comum das mortes de pais, mães e irmãos. E num filme com situações tantas vezes vistas em outros filmes, “Os Mensageiros do Perigo” tem ainda um momento em que os homens simples da cidadezinha são tomados pela fúria coletiva que só será aplacada com o linchamento. Este western foi filmado pela 20th Century-Fox, mesmo estúdio que produziu “Consciências Mortas” (The Ox-Bow Incident), um dos mais perfeitos filmes a abordar o tema da turba ensandecida procurando fazer justiça com as próprias mãos. O cenário de “Os Mensageiros do Perigo” é a velha e conhecida rua da cidade western da Fox, cenário percorrido por tantos atores como o próprio Henry Fonda também em “Minha Vontade é Lei” (Warlock).

Acima Dale Robertson, Lola Albright,
Robert Wagner e Rory Calhoun.
Três futuros astros - “Os Mensageiros do Perigo” foi dirigido pelo canadense Harmon Jones reunindo no elenco três atores que ainda estavam em busca da fama: Rory Calhoun, Dale Robertson e Robert Wagner. Rory Calhoun já havia feito nada menos que 20 filmes; Dale Robertson participara de 15 e Robert Wagner aparecera oito vezes no cinema. Mesmo tendo feito muitos filmes após “Os Mensageiros do Perigo”, todos os três se tornariam astros famosos e bem pagos com as séries de TV que estrelaram. Calhoun com “O Texano”, Robertson com “Histórias da Wells Fargo” e Bob Wagner, entre diversas séries de TV em que atuou, é sempre lembrado por “Casal 20” (Hart to Hart), ao lado de Stefanie Powers. Rory Calhoun e Dale Robertson estrelariam muitos outros westerns, quase todos produções ‘B’ e Robert Wagner estava sendo preparado pela 20th Century-Fox para substituir Tyrone Power e Gregory Peck principais galãs do estúdio. A Fox havia produzido em 1951 o excelente “O Correio do Inferno” (Rawhide), western cuja trama também envolvia diligências. Tyrone Power e Susan Hayward lideraram o elenco de “Correio do Inferno”, filme dirigido pelo competente e subestimado Henry Hathaway

Robert Wagner e Kathleen Crowley
O dispensável par romântico - Robert Wagner fica com as melhores sequências dramáticas, com Dale Robertson e Rory Calhoun como espécie de modelos para o jovem cowboy. Lola Albright não tem maiores oportunidades e Kathleen Crowley é a dispensável mocinha. Miss Nova Jersey de 1949, Kathleen foi mais uma das muitas atrizes bonitinhas escaladas para compor par romântico com os astros de filmes ou séries de TV, neste caso com Bob Wagner. O elenco de apoio é composto de inúmeros bons atores como James Millican, Ian MacDonald (ambos presentes em "matar ou Morrer"/High Noon) e John Kellogg, além de um punhado de rostos conhecidos como o do velhinho Burt Mustin. Este ator nem pode ser chamado de veterano pois iniciou no cinema aos 67 anos de idade, fazendo sua estreia em “Chaga de Fogo” (1951), policial com Kirk Douglas. Chuck Connors em início de carreira aos 32 anos e envelhecido pela maquiagem tem pequena participação, assim como John Doucette, Paul Wexler e Charles Watts. Mas podem ser vistos neste filme, ainda que rapidamente, George Chesebro, Edmund Cobb, Fred Graham, Ethan Laidlaw, Dan White e Roy Buck, entre outros eternos ‘uncredits’.

Dale Robertson
As barbeiragens da ‘edição’ brasileira - A lamentar a cópia de “Os Mensageiros do Perigo” ter sido gravada do canal 'Westerns' da TV a cabo norte-americana, chegando aqui a custo zero, e sido legendada pela CineTV Nostalgia de Paulo Tardin. Como já ocorreu em muitos outros filmes legendados por essa empresa, as legendas não são sincronizadas com os diálogos originais, prejudicando a compreensão da história em momentos vitais. É inacreditável que seja lançado um produto, para venda, com esse defeito quando o correto seria reajustar o sincronismo, ainda que esse procedimento resultasse em pequeno prejuízo. Além das legendas atrasadas, a troca dos nomes de personagens demonstra o grau de profissionalismo da CineTV Nostalgia. Só para citar dois exemplos, ‘Race Grim’ vira ‘Race Crim’ e ‘Jody’ vira ‘Juli’ na transcrição da já famosa empresa de Paulo Tardin.

Inesquecíveis programas duplos – É muito bom assistir westerns mais bem cuidados como os citados “Shane”, “Minha Vontade é Lei”, “Consciências Mortas” e “Correio do Inferno”, todos dirigidos por diretores consagrados e estrelados por grandes astros. Mas é igualmente agradável ver faroestes B como este “Os Mensageiros do Perigo”, forma ideal de relembrar os inesquecíveis complementos dos programas duplos dos cinemas de bairros de antigamente. E muitas vezes o complemento agradava mais que a atração principal, como deve ter acontecido com este western estrelado por Rory Calhoun, Dale Robertson e Robert Wagner.

A cópia de "Os Mensageiros do Perigo" foi gentilmente cedida pelo cinéfilo Marcelo Cardoso.

18 de setembro de 2015

VOU... MATO E VOLTO (VADO... L’AMAZZO E TORNO) OU ‘VOU... ASSISTO E ME DIVIRTO’


Os títulos dos westerns-spaghetti eram uma diversão à parte na segunda metade dos anos 60 quando esse subgênero do faroeste tomou de assalto as telas do mundo inteiro. A cada semana pelo menos um ou dois títulos eram anunciados, alguns inspirados no sucesso da ‘Trilogia dos Dólares’ de Sergio Leone, outros em “O Dólar Furado”, e ainda um sem número de títulos contendo o mágico número sete que rendeu infinitas combinações. E havia ainda aqueles títulos, decididamente de mau gosto, que viravam piada entre o público e entre os muitos críticos que abominavam qualquer western não produzido por Hollywood. Quando na primeira semana de julho de 1968 “Vou... Mato e Volto” foi lançado em São Paulo, o que mais se ouvia eram chacotas com esse título que virou rapidamente “Vou no Mato e Volto” e outras variantes, algumas impublicáveis. No entanto o western-spaghetti tinha um público cativo que só aumentava e, alheio às zombarias, este terceiro filme de Enzo G. Castellari, diretor então com 29 anos de idade, fez sucesso na capital paulista, permanecendo oito semanas consecutivas nos cinemas lançadores, passando depois para o circuito dos bairros. Essa bela carreira tinha razão de ser pois “Vou... Mato e Volto” (Vado... L’Amazzo e Torno) possui uma trama que foge do lugar comum que havia tomado conta dos westerns-spaghetti e é, antes de tudo, um filme extremamente divertido.


Gilbert Roland e George Hilton
Parceiros nada confiáveis - Um caçador de recompensas conhecido apenas por Forasteiro (George Hilton) está à caça de Monetero (Gilbert Roland), chefe de uma quadrilha que tem a cabeça a prêmio. Monetero e seu bando assaltam um trem que carrega 300 mil dólares em moedas, dinheiro pertencente a um banco de Boston. O dinheiro fica em poder de Pajondo (Ignazio Spalla), homem de confiança de Monetero, que trai o chefe e esconde os 300 mil dólares numa missão semidestruída de nome Cuenca. Pajondo é morto pelo Exército norte-americano que procura resgatar o dinheiro e prender Monetero. Clayton (Edd Byrnes), um funcionário do banco, quer também reaver o produto do roubo, assim como o inconformado Monetero. Enquanto isso o caçador de recompensas segue a todos e descobre que Clayton e Monetero se tornaram aliados. Mas como nenhum deles é confiável, as alianças são feitas e rompidas, inclusive as feitas com o Forasteiro. Surge um outro interessado chamado Blackman (Gérard Herter) que trabalha para a companhia de seguros contratada pelo banco. Ao final, depois de uma sucessão de traições entre os três parceiros, Monetero, Clayton e o Forasteiro chegam ao local onde foram escondidos os 300 mil dólares, fazendo a partilha entre eles. Até que uma nova traição os separe...

Covers de Mortimer,
Django e o Estranho. 
Sabor jocoso - “Vou... Mato e Volto” se inicia com três foras-da-lei procurados pela Justiça sendo mortos pelo Forasteiro. Os três são cópias descaradas do Coronel Douglas Mortimer, de Django e do Estranho Sem Nome, personagens que ficaram célebres interpretados respectivamente por Lee Van Cleef, Franco Nero e Clint Eastwood. Três caixões vazios são transportados em uma carroça e dentro de cada caixão há um cartaz, cada qual com o nome de um dos três imitadores. Após essa introdução paródica começa a trama real do filme, sem nunca perder o sabor jocoso que pouco a pouco envolve os três principais participantes, a princípio circunspectos. Sem se definir como western cômico, na linha daqueles estrelados por Bob Hope ou “O Rei do Laço” (Pardners), Castellari imprime um ritmo farsesco com reviravoltas que evitam a previsibilidade das comédias. Se Gilbert Roland não tem o mínimo cacoete para fazer graça, George Hilton e Edd Byrnes disputam quem é mais cínico e atrevido. Com ponto extra para Byrnes devido à sua incrível forma física que lhe permite audaciosas acrobacias. Byrnes surpreende e faz com que suas sequências de ação lembrem inevitavelmente o excepcional Douglas Fairbanks e mais ainda o picaresco Burt Lancaster de “O Pirata Sangrento”.

Tomadas feitas com câmera no chão durante a luta de Edd Byrnes e George Hilton.

Gilbert Roland e Ivano Staccioli;
George Hilton.
Meu nome é... Monetero - A garrulice de Quentin Tarantino faz com que ele declare, em diferentes momentos, que aprendeu a fazer cinema com um monte de diretores e Enzo G. Castellari é um dos preferidos do diretor de “Pulp Fiction”. A ação que gira intermitente e desconcertantemente nos filmes de Tarantino não deixa dúvida que ele viu “Vou... Mato e Volto” muitas vezes. Em “Vou... Mato e Volto” as trapaças se sucedem e Castellari faz com que interesses escusos não permitam desfechos fatais entre Monetero, Clayton e o Forasteiro, nenhum deles uma aposta segura em se tratando de amizade e menos ainda de sociedade. E o ritmo deste western de Castellari é frenético, com lutas corporais a céu aberto, numa cantina e outra em uma casa de banho, perseguições, assalto a trem e tiroteios com fartura de munição, tudo temperado com diálogos sarcásticos como quando o Forasteiro diz: “Tenho um lema: Quando tem que matar alguém, mate-o”. Isso explica sarcasticamente por que mocinhos raramente morrem nas mãos de bandidos que insistem em adiar a execução. Fazendo valer a tradição dos westerns-spaghetti, nem o agente bancário Clayton e menos ainda o caçador de recompensas são heróis. Pelo contrário. E o bandido de verdade recebe um dos mais espirituosos nomes de vilão (‘Monetero’), indicando o quanto preza o vil metal que persegue com tenacidade.

George Hilton e Gilbert Roland; George Hilton.

Stefania Careddu e Ricardo Pizzuti
A macheza de Gilbert Roland - No cinema desde os 18 anos, quando fez sua estreia em 1923, o mexicano Gilbert Roland é lembrado pelos tipos machos que criou na tela. Mesmo o requintado Cisco Kid criado por O’Henry, vivido por Roland se transformou em herói viril nos anos 40. E na vida real Gilbert Roland era uma lenda como latin lover, assediado pelas estrelas de Hollywood que queriam comprovar (e provar) seu talento como amante. E não é que Monetero engole a seco a atração que Guapa (Stefania Careddu) sua namorada, sente pelo Forasteiro. E ao final o bandido vê a infiel Guapa deixá-lo pelo delicado Blackman, o agente da seguradora sempre com sua luneta observando as idas e vindas daqueles que brigam pelos 300 mil dólares. Proposital ou não, “Vou... Mato e Volto” brinca até mesmo com a macheza de Gilbert Roland. O clímax do western de Castellari é uma gag hilariante e cheia de imaginação. Posicionam-se Monetero, Clayton e o Forasteiro para um trielo, referência ao clássico “Três Homens em Conflito”. A tensão aumenta com os closes e a música criando o clima apropriado. Mas se o espectador é frustrado com o trielo que não ocorre, presencia um dos mais irreverentes momentos de um western com o desfecho que momentaneamente une o trio.

George Hilton disfarçado de padre;
Gilbert Roland e Hilton.
Divertir divertindo - Todos os três atores – Roland, Byrnes e Hilton – parecem se divertir o tempo todo com seus personagens, sabedores que Castellari pretendia mesmo era divertir o espectador. E o consegue com rara e espontânea felicidade, longe da estudada bufonaria de Trinity e carambola, por exemplo. Há quem afirme que o western-spaghetti nunca se levou a sério e Castellari, com este “Vou... Mato e Volto” comprova explicitamente essa teoria. Gilbert Roland é o destaque do trio, veterano de tantos e tantos trabalhos, comandando o elenco com sua figura carismática, seguido pelo histrionismo de Edd Byrnes e George Hilton. A trilha musical é de Francesco Masi e, como não poderia deixar de ser, altamente influenciada pelas criações de Ennio Morricone, ainda que sem a sublime inventividade deste. O cantor Raoul interpreta o esquecível tema principal chamado “The Stranger”, também de autoria de Mais em parceria com Alessandroni e De Mutiis. Alessandro Alessandroni com suas vozes e acordes mágicos completam a trilha. Destaque para o excelente trabalho dos dublês Miguel Pedregosa e Giorgio Ubaldi.

Brincar de mocinho - “Vou... Mato e Volto” recebeu, quando de seu lançamento, o título “For a Few Bullets More” destinado ao mercado norte-americano. Porém o filme de Enzo G. Castellari marcou mesmo na distribuição em língua inglesa como “Any Gun Can Play”, que é como circulou nos Estados Unidos e como foi distribuído em DVD. Numa tradução livre 'Any Gun Can Play' poderia significar ‘Qualquer um pode brincar de mocinho’. Esse verdadeiro achado foi percebido por Kevin Grant que intitulou como “Any Gun Can Play” o seu notável livro sobre o western-spaghetti, uma das mais bonitas e completas obras sobre o gênero faroeste, imprescindível em qualquer biblioteca de westernmaníacos. Sobre esse livro de Kevin Grant WESTERNCINEMANIA publicou uma resenha na série 'Biblioteca de Westerns'.

Edd Byrnes
‘Não vi, não gostei’ - O temido crítico Rubem Biáfora, em sua resenha dominical de lançamentos no jornal “O Estado de S. Paulo”, deixa claro a má vontade com o que era então chamado de ‘western italiano’. Diz Biáfora, mestre de Rubens Ewald Filho, em sua resenha que “Vou... Mato e Volto” tem excesso de estilização e violência, fórmula para cair no agrado popular. Não perdoa Gilbert Roland, a quem chama de péssimo e nem Edd Byrnes que trata como ‘novato’. Byrnes já atuava há mais de dez anos como ator, seis deles com uma das séries policiais mais bem sucedidas dos anos 50/60 que foi “77 Sunset Strip” e ainda uma dúzia de filmes no currículo, um deles “Texas 1967” do mesmo Enzo G. Castellari. O cáustico Rubem Biáfora praticava o conhecido ‘não vi, não gostei’ que tantos críticos usavam em relação à nova categoria de faroestes oriunda da Europa. Talvez Biáfora mudasse de opinião se deixasse um pouco de lado os Resnais, os Bergmans, os Mizoguchis e se divertisse assistindo “Vou... Mato e Volto”.

Comentário do crítico Rubem Biáfora; o quadro da Bolsa de Cinema e Teatro
da Folha de S. Paulo, vendo-se a cotação de "Vou... Mato e Volto"!.




A cópia de "Vou... Mato e Volto" foi gentilmente cedida pelo cinéfilo Marcelo Cardoso.