UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

29 de fevereiro de 2016

A LEI DA FUGA (COLORADO) – ROY ROGERS CONTRA AGENTES CONFEDERADOS


Roy Rogers
1940 foi um ano especial para Roy Rogers pois o estúdio que o mantinha sob contrato, a Republic Pictures, tentou elevá-lo à categoria de astro. Nesse ano Roy participou com destaque de “Comando Negro” (Dark Command), western sobre a Guerra Civil, atuando ao lado de John Wayne, outro ator que a Republic procurava guindar à condição de grande astro. Wayne deu certo e trilhou a mais espetacular carreira artística de todos os tempos em Hollywood. Já com Roy Rogers a tentativa do estúdio dirigido por Herbert J. Yates não surtiu o efeito desejado e o cowboy-cantor continuou a estrelar aqueles pequenos faroestes rodados em uma semana, à média de sete por ano. John Wayne nunca mais voltou a fazer um western B e Roy Rogers, mesmo continuando a cavalgar na chamada Poverty Row (Rua da Pobreza) conseguiu a façanha de estar entre os astros mais rentáveis do cinema. Na lista dos artistas de cinema que mais público atraíam nos anos 40, Roy apareceu em 22.º lugar em 1944; na 10.ª posição em 1945 e 1946; 12.º em 1947; 17.º em 1948; 18.º em 1949 e 19.º em 1950, último ano em que se destacou como atração de bilheteria. Em “Comando Negro” Roy Rogers interpreta um soldado confederado e nesse mesmo ano Roy atuou em “A Lei da Fuga” (Colorado), desta vez mudando de lado e aparecendo como um Tenente do exército da União, no filme que foi dirigido por Joseph Kane. Este diretor contratado da Republic dirigiu Roy Rogers em nada menos que 45 outros pequenos faroestes.


Acima Gabby Hayes e Roy Rogers;
abaixo Pauline Moore e Milburn Stone.
Agente Secreto no Colorado - Em “A Lei da Fuga”, o Alto Comando Militar yankee está preocupado com as tentativas do exército confederado em reequilibrar a Guerra Civil que indicava iminente vitória nortista. O Serviço Secreto do Exército incumbe o Tenente Jerry Burke (Roy Rogers) da missão secreta de desbaratar focos de resistência adversária no Colorado, território de vital importância para a definição da guerra. Jerry Burke ruma para Denver na mesma diligência em que está a jovem Lylah Sanford (Pauline Moore), reencontrando-se ainda com seu velho amigo ‘Gabby’ (George Hayes). Entre os articuladores do movimento sulista está Don Burke (Milburn Stone) que se faz passar por Capitão do Exército da União, infiltrando-se entre as forças nortistas no Colorado. Don Burke, que é noivo de Lylah Sanford, não contava encontrar com Jerry Burke, que é seu irmão e sabe da sua atuação como espião sulista. Jerry considera Don a ovelha negra da família e acredita que possa fazer dele um homem de bem. Com o rosto encoberto Don Burke assalta a diligência em que estão seu irmão, Lylah e Gabby, mas na fuga Don é alvejado no ombro por Jerry. Don Burke prossegue com as articulações com o grupo de simpatizantes sulistas mas seu irmão Jerry faz fracassar as manobras. Don é capturado e numa tentativa de fuga é morto por um tiro disparado pelo xerife Harkins (Fred Burns). Cessadas as articulações confederadas em Denver, o Tenente Jerry Burke é chamado de volta a Washington levando consigo sua agora noiva Lylah.

Acima Roy Rogers e Fred Burns;
abaixo Roy cantando e tocando.
Menos trabalho e música para Roy - “A Lei da Fuga” é um western de Roy Rogers com uma história interessante por fugir do lugar comum dos enredos dos westerns B e se situar no conflito entre Norte e Sul. Coloca dois irmãos em lados opostos com a mocinha pendendo entre ambos, o que torna o filme ainda mais saboroso pois o espectador torce para que ela não fique com o vilão e sim com o mocinho. O enredo mais complexo que de hábito reduz as ações e Roy Rogers não tem oportunidade de mostrar a força de seus punhos ou mesmo de longos galopes montando Trigger. Melhor que tudo, porém, é que a história não dá margem a Roy de enxertar muitos números musicais, mas para não perder o costume, o ex-membro do The Sons of the Pioneers que ainda não era ‘O Rei dos Cowboys’, canta “Night on the Prairie”, única canção que ele entoa. O excelente Milburn Stone interpreta o atormentado irmão de Roy, dividido entre honrar o nome da família e a causa na qual acredita. E num raro caso de homem mau que provoca a própria morte, o personagem de Stone intenta uma suicida fuga enquanto seu irmão no filme (Roy) se vê incapaz de atirar contra ele, no melhor momento de “A Lei da Fuga”. O roteiro pró-Norte de autoria de Louis Stevens e Harrison Jacobs faz com que os confederados pareçam uma quadrilha que intenta reverter o poder legítimo da União, o que deve ter desagradado e muito os sulistas de modo geral.

Acima Gabby Hayes e Maude Eburne;
abaixo Milburn Stone.
Um sidekick adorado - Milburn Stone revelou-se nos anos 30 um promissor ator, o que se confirmou nos anos 40 definindo-se como ator característico. Uma de suas pequenas mas marcantes participações foi em “A Mocidade de Lincoln”, dirigido por John Ford. A consagração de Milburn veio nos anos 50 com a série “Gunsmoke”, interpretando o mal-humorado e irônico Doc Adams em 604 dos 635 episódios da série western campeã de longevidade da TV norte-americana. A mocinha de “A Lei da Fuga” é a bonita e elegante Pauline Moore que foi consagrada modelo antes de se tornar atriz. Pauline foi a mocinha de quatro faroestes de Roy Rogers no ano de 1940. Entre a enorme lista de coadjuvantes conhecidos por seus rostos (ou bigode, como Hank Bell), está a engraçada Maude Eburne, que sofre as provocações do misógino Gabby Hayes. Roy Rogers revela-se um perfeito cowboy nos westerns em série da Republic e muito ajudou a companhia de George Gabby Hayes como seu, então, mais constante sidekick. Gabby foi o mais querido ‘boboca’ (de bobo ele não tinha nada) dos westerns B, confirmando, quando as oportunidades surgiam, que era ótimo ator.

O mais explorado dos mocinhos - Para que se tenha uma ideia do quanto os westerns de Roy Rogers faziam sucesso entre o público das matinês, merece ser lembrado que em seu primeiro contrato com a Republic Roy recebia 75 dólares por semana de trabalho. Em 1948, quando findou seu último contrato longo, Roy estava recebendo mil dólares por semana. A partir daí Roy passou a receber 60 mil dólares por dois anos de contrato. Quando a Republic percebeu que poderia perder a mina de dinheiro chamada Roy Rogers, em 1950, decidiu pagar ao ator 25 mil dólares por filme, até que o Rei dos Cowboys se bandeou para a televisão, onde passou a produzir sua própria série, isto depois de ser explorado por quase 20 anos pelo sovina Herbert J. Yates. Menos mal que o cinema ganhou uma coleção de bons westerns B como “A Lei da Fuga”.
À direita Pauline Moore e Milburn Stone.

27 de fevereiro de 2016

ANTRO DA PERDIÇÃO (DESTRY) – REFILMAGEM-DESAFIO PARA AUDIE MURPHY


Acima Max Brand na capa de um de seus
livros; abaixo George Marshall conversa
com Kathryn Grant e Audie Murphy.
“Atire a Primeira Pedra” (Destry Rides Again) é uma das grandes comédias clássicas do gênero western. Foi dirigida por George Marshall em 1939, num tempo em que somente se permitia que Laurel & Hardy ou os Marx Brothers se atrevessem a brincar com assunto tão caro aos norte-americanos como a vida no Velho Oeste. Escrita em 1930 por Max Brand, prolífico autor de história de faroeste, já em 1932 era levada à tela no western protagonizado por Tom Mix intitulado “A Volta de Tom” (Destry Rides Again). “Anjo de Vingança” (Frenchie), de 1950, com Joel McCrea e Shelley Winters, adaptou mais uma vez a história de Brand para o cinema. Contratado pela Universal International, Audie Murphy havia estrelado dez westerns para o estúdio que entendeu que, em seu 11.º faroeste, o herói de guerra que se tornara ator deveria mudar um pouco o tipo que vinha perpetuando em seus westerns. Foi feita então a duvidosa aposta para ver se Murphy tinha talento suficiente para a comédia e nada melhor que revisitar a história de Max Brand, repetindo quase que inteiramente o roteiro e personagens de “Atire a Primeira Pedra”. O mesmo George Marshall aceitou a incumbência de rodar a nova versão, agora em cores e com Murphy no papel que coube a James Stewart.


Acima Lyle Bettger e Audie Murphy;
abaixo Murphy entre George Walace
e Ralph Peters.
O desarmado assistente de xerife - A cidade de Restful perde o xerife Balley (Trevor Bardette), assassinado por um capanga de Phil Decker (Lyle Bettger), o dono do saloon local. O prefeito Sellers (Edgar Buchanan), em conluio com Decker, elege o bêbado Rags Barnaby (Thomas Mitchell) como novo xerife. Em outros tempos Rags havia sido assistente do falecido xerife Destry e chama o filho deste, Tom Destry (Audie Murphy) para ser seu assistente em Restful. Sabe-se que Tom Destry havia implantado a lei e a ordem na turbulenta cidade vizinha de Silver Creek. Tom Destry, porém, prefere atuar sem fazer uso de armas, o que decepciona o xerife Rags que trocou a bebida pela estrela de homem da lei. Mesmo desarmado, Tom Destry se propõe a descobrir quem foi o assassino do xerife Balley e prende o suspeito Curly Adams (George Wallace), um dos homens a serviço de Decker. Destry quer que Curly seja julgado por um juiz territorial, com o que não concorda o prefeito Sellers que exige que ele próprio, presida o julgamento. Rags é então assassinado, a mando de Decker, dentro da delegacia, o que leva Destry a fazer uso de armas para enfrentar Decker e seus asseclas. Brandy (Mari Blanchard), a dançarina principal do ‘Decker’s Saloon’ ajuda Destry com informações referentes ao caso e quando do confronto, a saloon-girl tenta salvar Destry sendo atingida por uma bala a ele dirigida, vindo a falecer. Em seguida Tom Destry, com o auxílio do doutor Curtis (Wallace Ford) e do criador Jack Larson (Alan Hale Jr.), líquida a quadrilha de Decker, fazendo a paz voltar a Restful.

A chegada de Tom Destry (James
Stewart)  a Bottleneck; a chegada de
Tom Destry (Audie Murphy) a Restful.
Comparações inevitáveis - Esta bem cuidada produção da Universal é um dos melhores westerns de Audie Murphy, isto apesar da presença dele que não leva o menor jeito para comediante. Fazer rir é o teste supremo para um ator e mesmo grandes intérpretes se mostram sem aptidão para a comédia. Murphy, com sua notória limitação de recursos como ator foi uma escolha errada para reviver ‘Tom Destry’, tão magnificamente interpretado anteriormente por James Stewart. Batida, mas difícil fugir da comparação entre ambos por mais injusta que essa comparação possa ser. Um dos pontos altos de “Atire a Primeira Pedra” era seu admirável elenco de apoio e, claro, a presença inesquecível de Marlene Dietrich como ‘Frenchy’. E não é que o grupo de coadjuvantes de “Antro da Perdição” é igualmente de primeira linha, com Edgar Buchanan, Thomas Mitchell, Lyle Bettger, Wallace Ford, Mary Wickes e Alan Hale Jr, salientando-se a ótima presença de Mari Blanchard. Se Audie Murphy ficou a milhas de distância de James Stewart como Tom Destry, os coadjuvantes citados ajudam a tornar a versão de 1954 bastante boa, acima da média mesmo dos faroestes que a Universal preparou para Murphy. E que surpresa agradável a presença de Mari Blanchard, sempre relegada a produções B, desta vez num verdadeiro tour-de-force, dançando e tendo a voz dublada em vários números musicais mostrando sua sedutora beleza. Ainda que La Dietrich seja incomparável, Mari Blanchard, com os cabelos escuros e com seu personagem chamado ‘Brandy’, é uma satisfação a mais em “Antro da Perdição”.

Duas vezes Mari Blanchard.
A esfuziante ‘Brandy’ - O filme todo foi feito em função de Audie Murphy, cujos faroestes eram lucro certo para a Universal, mas os melhores momentos de “Antro da Perdição” são quando Audie não está em cena. O filme se abre com uma bela sequência em que o trapaceiro Decker faz mais uma vítima na figura do homem que perde sua fazenda; em seguida o xerife Balley (a sempre destacada presença de Trevor Bardette) sendo covardemente morto. Simplesmente antológica a fala do subserviente prefeito Sellers indicando um novo xerife, tendo a seu lado o desonesto e sorridente Decker. Vibrantes as primeiras sequências de canto e dança no saloon, com a esfuziante Mari Blanchard tornando o local mais alegre que nunca. Como os creditos da época da Universal citavam apenas o nome de Joseph Gershenson como responsável pela parte musical, fica-se sem saber qual a contribuição do genial Henry Mancini que, em início de carreira, trabalhou muito mas anonimamente para o estúdio, como neste filme. Há ainda um número musical com a presença de Mari Blanchard apresentando uma canção que expressa a tristeza de saber que nunca terá o amor de Destry, canção essa que é um deslocado blues num western-comédia. Um diálogo curto e justo travado dentro da delegacia com o ardiloso Sellers, misto de prefeito, juiz e pintor, demonstra como funciona a justiça dos inescrupulosos.

Edgar Buchanan com Lyle Bettger; à direita Bettger com Thomas Mitchell.

Audie Murphy e Lee Aaker, ambos
brincando com um pedaço de corda.
A ciência chega ao Velho Oeste - A melhor sequência com Audie Murphy é o confronto final, esplendidamente estruturado por George Marshall e na qual Audie nada fala, apenas atira contra o bando de Lyle Bettger. E a mais infeliz e sem graça sequência de “Antro da Perdição” foi deixada para o final, com a jovem Martha (Lori Nelson) tentando se fazer notar por Destry. Disparando a esmo dentro do consultório do doutor Curtis, a moça deve ter destruído móveis, livros, vidros e instrumentos do médico, o que poderia ser engraçado num curta dos Três Patetas, mas não numa comédia com roteiro inventivo como o de “Destry Rides Again”. Pior que isso só mesmo o apalermado personagem de Murphy brincando continuadamente com um pedaço de corda, gesto imitado ao final pelo menino Eli (Lee Aaker). E acredite quem quiser que Murphy seja capaz de derrubar com um soco o robusto Alan Hale Jr., lembrando o que havia feito o franzino Montgomery Clift com o gigantesco John Wayne em “Rio Vermelho” (Red River). Passada a história de “Antro da Perdição” por volta de 1880, é levantada por Tom Destry a prova, a partir de ranhuras provocadas numa bala, comprovando de qual revólver partiu o tiro que matou o xerife Balley. Para que isso fosse possível houve a necessidade da exumação do cadáver do xerife para a retirada da bala que o matara. Lamentavelmente nada é dito da exumação ocorrida, fazendo parecer que isso fosse um fato normal naqueles tempos.

À esquerda Tom Destry sendo ironizado por Brandy;
a briga entre Mary Vickes e Mari Blanchard.

Mari Blanchard com Audie Murphy.
Provocando os censores - Lyle Bettger nunca esteve mais elegante e astucioso com seu permanente riso sardônico de quem se acostumou a levar vantagem sempre. Edgar Buchanan não deixa espaço para mais ninguém a cada vez que sua figura enganosamente amável entra em cena. Buchanan vence com facilidade o duelo travado com Thomas Mitchell, grande ator característico que, neste filme, se esforça com certo exagero para roubar cenas. A bela e infeliz Mari Blanchard (falecida aos 47 anos vítima de um câncer) tem neste filme de George Marshall um dos melhores, senão o maior momento de sua carreira. Mari ficou conhecida como a moribunda que se torna a ‘She-Devil’ em “A Mulher Diabólica”, clássico sci-fi com produção ‘B’. Atenção para uma ponta de John Doucette como um cowboy provocador que se intimida com a exibição de pontaria de Tom Destry no ‘Decker’s Saloon’. O título nacional “Antro da Perdição” não foi uma boa escolha pois deve, à época de seu lançamento no Brasil, ter frustrado os espectadores que se sentiram atraídos por um nome de filme que mais parecia uma produção francesa ou mexicana dos anos 50 e que ficaria bem em qualquer pornochanchada produzida no Brasil nos anos 70. A partir do título, os censores devem ter tido vontade de proibir o filme a menores de 18 anos, mas como fazer isso com um inocente faroeste de Audie Murphy? Inocente e que vale à pena assistir, apesar do insosso e sem graça Tom Destry.

Acima à esquerda o prefeito-pintor interpretado por Edgar Buchanan; à direita
Thomas Mitchell; abaixo à esquerda Buchanan e Mitchell; à esquerda
Audie Murphy e Thomas Mitchell.


22 de fevereiro de 2016

“DIOGUINHO”, TERCEIRA VERSÃO PARA O CINEMA DA VIDA DO MÍTICO BANDIDO PAULISTA


O verdadeiro Dioguinho;
abaixo Dioguinho à esquerda
com um amigo. 
O cinema ajudou a fazer de Billy the Kid um mito do Velho Oeste, ainda que muito do que se atribua a William Bonney seja lenda. No Brasil, em 1863, quatro anos após a morte de Billy the Kid, nascia Diogo da Rocha Ferreira, o ‘Dioguinho’, que se tornou um assassino responsável por pelo menos 50 mortes, havendo quem eleve esse número para uma centena de homicídios. Perto do sanguinário Dioguinho, Billy the Kid estava mais para um seminarista. Certo que o bandido brasileiro natural de Botucatu, interior de São Paulo, viveu um pouco mais, sendo morto aos 33 anos, em 1897. Isto é, dado como morto porque seu corpo nunca foi encontrado e histórias envolvendo seu nome nunca deixaram de ser ouvidas ou lidas. Já em 1903 foi publicado “Dioguinho”, escrito por Antônio de Godói, o delegado encarregado da captura do facínora. Em 1916 foi a vez do cinema abordar a vida criminosa do bandido interiorano, naquela que seria a primeira versão para o cinema de “Dioguinho”, dirigido por Guelfo Andaló. Em 1957 a produtora paulista Sonofilmes levou às telas uma segunda versão repetindo o título “Dioguinho”, filme dirigido por Carlos Coimbra e protagonizado por Helio Souto e ainda com John Herbert no elenco. Anos antes, em 1949, foi publicado o livro de João Amoroso Netto, “Dioguinho - História completa e verídica do famoso bandido paulista”. Somente em 2003 um autor voltaria a escrever sobre o bandido, isto quando João Garcia Duarte Neto escreveu “Dioguinho, o Matador de Punhos de Renda”. Um ano antes, em 2002, a TV Educativa de Brodowski e o Grupo de Cinema daquela cidade da Região da Alta Mogiana paulista, em parceria produziram o longa metragem “Dioguinho”. Concebido com temática comum aos faroestes norte-americanos, o filme foi dirigido por Caetano Jacob, com roteiro adaptado também por Jacob a partir de pesquisas nos processos arquivados pela Defensoria Pública de São Simão (SP). Essa terceira versão foi bastante oportuna, uma vez que o filme de Carlos Coimbra, de 1957, é hoje dado como desaparecido e o célebre matador paulista teve uma curta mas cinematográfica existência.


Odair Martins; abaixo os 'coronéis'
Delcides Esteves, Clóvis Martins e
José Cadamuro.
O terror de toda uma região - Dioguinho (Odair Martins) inicia sua vida de crimes assassinando O Coronel Mário (Sílvio N. Franco), um homem que se aproveitara da irmã de Diogo. Vivia-se ainda sob o império de Pedro II que estava com os dias contados e quem ainda mandava nas regiões eram os coronéis, abastados fazendeiros que para impor suas vontades mandavam matar caso achassem necessário. Pouco a pouco Dioguinho se tornou conhecido pelos lados de São Simão e seu nome incutia terror nas pessoas simples ao mesmo tempo que significava confiança dos coronéis que o contratavam para cometer assassinatos. O Coronel Cirino (Delcides Esteves) queria ver o Professor Custódio (Alexandre Vieira) namorado da filha (Cristiane Santos) morto; o Coronel Pedrosa (José Cadamuro) pretendia se livrar de um escravo que liderava uma sublevação; o Coronel Ferreira (Clóvis Martins) tencionava dar sumiço no atrevido Marciliano ‘Fogueteiro’ (Roberto Vicentini), que visitava Balbina (Rosana Esteves), mulher que por sua vez era amante do Coronel Ferreira. Um a um todos os assassinatos encomendados foram cumpridos e executados os desafetos dos coronéis. Dioguinho se fazia acompanhar nas emboscadas por seu irmão João (Marcos Júnior). Dioguinho não só matou o ‘Fogueteiro’ como completou o serviço dando uma lição em Balbina, marcando-lhe o rosto com um punhal. Balbina vai a São Paulo e consegue audiência como o Presidente (do Estado) Campos Salles (José Flávio Mantoani), relatando os acontecimentos. O Presidente reúne sua assessoria e uma força-tarefa é montada para capturar Dioguinho que, orientado pelos coronéis, resolve se esconder sendo no entanto localizado. Cercados, Dioguinho e seu irmão João, tentam fugir por um rio, sendo alvejados. João morre dentro do barco e Dioguinho atingido cai no rio desaparecendo.

Odair Martins e Sílvio N. Franco
Tempo dos senhores da terra – O que mais chama a atenção neste filme de Caetano Jacob é o bem estruturado roteiro que captura a essência dos anos finais do Segundo Reinado e passagem para a República, ainda que este evento não seja citado diretamente. Coincidem os fatos históricos com a ascensão e desgraça de Diogo da Rocha Ferreira inserido nessa perfeita ambientação político-social. A expansão de propriedades conseguida por meios escusos; a submissão de autoridades a soldo dos coronéis; a igreja através do vigário local simpática a quem lhe faça doações; o patriarcado impondo sua vontade a uma filha que só poderá se casar com alguém de sua posição social; negros escravos vendo se aproximar o momento da libertação contrariando o interesse dos senhores da terra. O roteiro de “Dioguinho” preocupou-se sobremaneira com enquadrar a história em seu tempo e lugar e o faz com exatidão. Deixa no entanto, este faroeste caboclo, de melhor caracterizar as razões pessoais que levam o facínora a enveredar pelo crime de forma tão brutal e desapiedada. Dioguinho mata um homem a pauladas depois de embebedá-lo, sob justificativa de a vítima ter violentado sua irmã. Em outro momento produz um corte profundo no rosto de uma mulher que nada lhe havia feito, como a condenar uma traição feminina por ela praticada, algo inaceitável para aqueles tempos. Suas vítimas são sempre alvo de emboscadas e morrem a tiros de carabina sem mesmo saber quem é o autor dos disparos. Circunspecto, Dioguinho apenas deixa revelar o que pensa nos contatos com seu irmão e mesmo assim nada denúncia ser ele alguém que a vida tenha embrutecido a ponto de matar por hábito ou por prazer.

Odair Martins com Delcides Esteves e à direita com Clóvis Martins.

Rosana Rossini Esteves
Uma mulher marcada pela coragem - “Dioguinho” possui momentos de raro brilho especialmente nas falas e atitudes dos coronéis, fracos para enfrentar a realidade que os cerca e fortes em suas atitudes covardes, especialmente o Coronel Cirino e o Coronel Manoel Ferreira. Coincidentemente, o alvo de suas exasperações são duas mulheres que sofrem justamente por não terem direitos diante da força daqueles régulos, força do dinheiro que pagam ao matador de aluguel. Ao contrário da subjugada filha de Cirino, Balbina se revolta e corajosamente parte em busca de justiça que não encontra na região de São Simão e cidades vizinhas onde Dioguinho atua. Balbina satisfaz aos desejos do Coronel Manoel Ferreira para conseguir uma vida melhor, não abrindo mão de sua condição de mulher livre e com isto despertando a ira de seu velho amante. E não hesita a mulher marcada em recorrer a instâncias impensáveis e acesso aparentemente intransponível em busca de justiça e com isso, indiretamente, reduzir o poder corrupto dos poderosos. Certo que o Presidente do Estado de São Paulo, Doutor Campos Salles, se vê obrigado a interceder em razão da pressão política, ele que viria a ser, logo após a morte de Dioguinho, o quarto presidente da República.

Sequências da violência contra Balbina (Rosana Esteves).

Odair Martins e Clóvis Martins
Bons atores não profissionais - Odair Martins protagoniza de modo soturno o matador triste, distante do tipo apontado pelos biógrafos do bandido como culto e refinado. Sua maneira sombria e seca, contudo, é própria de um matador de aluguel. Os maiores destaques do elenco de apoio de “Dioguinho” são Rosana Esteves e Clóvis Martins. Ela incutindo em sua personagem a provocante e sensual frivolidade raramente mostrada em uma mulher do interior. Clóvis por sua vez encarna primorosamente um coronel que denota personalidade que combina firmeza e tibieza. Igualmente bem Delcides Esteves, ainda que lhe falte o porte físico e voz grave para se impor como homem influente e temido. Este filme de Caetano Jacob se ressente de doses de comicidade tão típicas dos tipos do interior, não sendo aproveitada a figura engraçada de Roberto Vicentini como o conquistador que é descoberto e morto. Sílvio N. Franco se sai bem como o homem que não resiste a um copo de cachaça para se tornar após a bebedeira outra vítima de Dioguinho. Perfeito José Flávio Mantoani personificando o solene Presidente do Estado, assim como Armando Queluz como o pároco. Frise-se que Jacob dirigiu atores não profissionais, o que mais aumenta o mérito das interpretações. Hesitações nas falas são perfeitamente aceitáveis, mais ainda que “Dioguinho” foi gravado com som direto.

À esquerda José Flávio Mantoani, no centro Sílvio N. Franco;
à direita Roberto Vicentini.

Odair Martins
Exibição em cineclubes - Além de atuar, José Flávio Mantoani foi o responsável pela trilha sonora que mescla sons incidentais com composições diversas, inclusive uma valsa tocada ao piano pelo menino Zequinha de Abreu (João Vítor Gentil). Esta terceira versão de “Dioguinho”, filmada em locações centenárias, é uma das muitas produções realizadas pela parceria TVE e Grupo de Cinema de Brodowski, não visando lançamento comercial ou fins lucrativos. A ausência de atores profissionais é compensada pela relativa experiência que o grupo acumulou através outras realizações e o filme consegue passar por qualquer crivo crítico, superando o caráter semiamador do projeto. “Dioguinho” foi exibido em diversos cineclubes, universidades, e países de língua portuguesa, sendo que foi usado para defesa de tese na Universidade de Coimbra, em Portugal. Foi também premiado como Melhor Filme, em 2009, no 1.º Festival de Cinema de Brodowski. Este western teve uma sequência em 2015, intitulada “Dioguinho, o Retorno do Matador”, também dirigida por Caetano Jacob e com Odair Martins repetindo a personificação do bandido, produção igualmente da TVE de Brodowski e do Grupo de Cinema daquela cidade. Este ótimo faroeste caboclo que prima pela autenticidade dos tipos, falas e costumes do interior paulista merece, sem dúvida, ser visto por todo fã do gênero.

Sequência da morte dos irmãos bandidos.

"Dioguinho"-1957, vendo-se Hélio Souto, Norma Monteiro e John Herbert;
à direita cartaz publicado nos jornais anunciando uma reprise do faroeste.

Foto do primeiro "Dioguinho", de 1916; no centro o primeiro e segundo livros
contando histórias sobre Dioguinho; à direita o livro mais recente.

Esta cópia do western "Dioguinho" foi gentilmente cedida por José Flávio Mantoani,
o 'Mith', que também forneceu preciosas informações sobre a produção de modo geral.

19 de fevereiro de 2016

O CRÍTICO RODRIGO PEREIRA ELEGE OS DEZ MELHORES FAROESTES NACIONAIS

Ladeando o crítico Rodrigo Pereira vemos no quadro acima Jorge Karam,
Milton Ribeiro, Maurício Morey, Heitor Gaiotti, 
Tony Vieira, Sérgio Reis.
Nivaldo Lima, Maurício do Valle e Rubens da Silva Prado.

Duas fotos da lendária Rua do Triumpho, em São
Paulo: acima a calçada do Bar Soberano, sempre
repleta de diretores, técnicos e artistas; abaixo dois
carrinhos com as latas de filmes retornando dos
cinemas do centro para depois seguir para os
bairros e confins do Brasil.
Elaborar uma lista dos Top-Ten Westerns é tarefa relativamente fácil pois fãs de cinema de verdade conhecem as obras-primas e quase todos clássicos do gênero. Porém apontar os melhores faroestes nacionais não é tarefa para qualquer um, isto porque raros são os cinéfilos que se dispõem a deixar de ver filmes rodados em outros países para prestigiar nosso cinema. Quando o fazem é, certamente, para assistir àqueles filmes mais divulgados, com nomes famosos no elenco. E nem pensar em conhecer o heroico ‘Cinema da Boca’ (do Lixo) e menos ainda aquele tipo de filme que, inicialmente em tom de deboche, se convencionou chamar de ‘Western Feijoada’. Rodrigo Pereira é um crítico que como nenhum outro tomou gosto pelo faroeste brasileiro em todas suas três vertentes: o ‘Faroeste Caboclo’ (aquele geralmente produzido no interior de São Paulo), o ‘Nordestern’ (focalizando o cangaço), e o ‘Western Feijoada’ (próximo de um carbono do western spaghetti). E Rodrigo Pereira atendeu à solicitação do WESTERNCINEMANIA e listou aqueles que considera os dez melhores da mais de uma centena de faroestes produzidos no Brasil.

Ricardo Pereira e o livro sobre Anthony
Steffen; à direita o pôster do
documentário "Memórias da Boca".
Ainda menino, Rodrigo Pereira soube através de seu pai que lá em Lucélia (SP), sua cidade natal, havia sido rodado um faroeste intitulado “Homens Sem Paz”, em 1956. Estudante de Jornalismo na Unesp, Rodrigo procurou Maurício Morey, ator principal de “Homens Sem Paz”, que lhe informou que aquele não havia sido o único filme do gênero de sua filmografia pois atuara em outros dois. Formado jornalista, o assunto passou a atrair Rodrigo cada vez mais, levando-o a incessantes pesquisas não só na incipiente literatura sobre o Cinema Nacional acerca de nossos westerns, mas outras por conta própria. Para sua tese de mestrado, em 2002, Rodrigo possuía tamanho conhecimento a respeito dos nossos faroestes que dissertou sobre o inédito tema “Western Feijoada: o Faroeste no Cinema Brasileiro”. Tendo passado, entre outros órgãos de comunicação pela Folha de S. Paulo, Rodrigo Pereira é um dos autores do livro “A Saga do Brasileiro que se Tornou Astro do Bangue-Bangue à Italiana”, biografia de Anthony Steffen, o nosso Antônio de Teffé. Recentemente Rodrigo Pereira colaborou com seus comentários em “Memórias da Boca”, documentário em que aparece no segmento “Bang-Bang”. Outra importante colaboração de Rodrigo foi no também documentário “Herança da Alta Mogiana”, de Milton Martins.


Rodrigo Pereira somente deixou de assistir aos faroestes nacionais que são considerados desaparecidos e é isso que faz dele um crítico singular. Chega perto de meia centena o número de westerns Caboclo, Feijoada ou Nordestern assistidos por Rodrigo. Por essa razão é aguardado com expectativa por parte do público em geral e dos estudiosos em particular, o lançamento de “Faroeste Caboclo: Filmes de Cangaço e Westerns Made in Brazil” de autoria de Rodrigo Pereira. Esse livro irá preencher a lacuna editorial que há quanto a se historiar e comentar a produção de faroestes no Brasil. Enquanto isso o WESTERN-CINEMANIA proporciona um ‘aperitivo’ com a relação dos Dez Melhores Faroestes Brasileiros, segundo Rodrigo, aquele que é o maior pesquisador na matéria. A lista foi elaborada sem ordem de classificação e sim por ano de produção, exceto “Meu Nome é... Tonho”.

Na foto acima Rodrigo Pereira sempre prestigiando nosso faroeste, aparecendo David Cardoso em destaque na revista.



Meu Nome é... Tonho (1969) - Dir.: Ozualdo Candeias / Jorge Karan, Bibi Vogel, Nivaldo Lima e Toni Cardi

Posso dizer que, dos faroestes brasileiros aos quais assisti, há alguns que eu simplesmente adoro. Em primeiro lugar está “Meu Nome é... Tonho”, um filme bárbaro, selvagem. Coisa digna de Leone. Chamo Ozualdo Candeias de Sergio Leone brasileiro pois ele fez esse filme deslumbrante, muito acima da média dos Westerns Feijoada. (Rodrigo Pereira)

Jorge Karam apontando o revólver; abaixo uma das sequências memoráveis de
"Meu Nome é... Tonho", com a carroça carregando corpos abatidos a bala.

Os atores principais de "Meu Nome é... Tonho": Jorge Karam, Bibi Vogel
e Nivaldo Lima.


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O Cangaceiro (1953) – Dir.: Lima Barreto / Com Alberto Ruschel, Marisa Prado, Vanja Orico e Milton Ribeiro

Alberto Ruschel e Milton Ribeiro, com Adoniran Barbosa mais atrás.

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A Lei do Sertão (1956) - Dir.: Antoninho Hossri / Com Milton Ribeiro, Maurício Morey, Gracinha Fernandes e Maurício do Valle

Antoninho Hossri à esquerda; Maurício Morey, Gracinha Fernandes e Milton
Ribeiro (centro); e o vilão Milton Ribeiro.

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A Morte Comanda o Cangaço (1961) – Dir.: Carlos Coimbra e Walter Guimarães Motta / Com Alberto Ruschel, Aurora Duarte, Milton Ribeiro e Lyris Castellani

Alberto Ruschel, Aurora Duarte e à direita Edson França.

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Cangaceiros de Lampião (1967) – Dir.: Carlos Coimbra / Com Milton Rodrigues, Vanja Orico, Maurício do Valle e Milton Ribeiro

Acima Milton Rodrigues; Maurício do Valle e Jacqueline Myrna;
abaixo Antonio Pitanga e Vanja Orico.

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O Tesouro de Zapata (1968) - Dir.: Adolpho Chadler / Com Gil Anthony, Antonio Carnera e Milton Carvalho


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Gregório 38 (1969) - Dir.: Rubens da Silva Prado / Carlos Abreu, João Barros e Rubens da Silva Prado

No alto do pôster à direita o ator, diretor e produtor Rubens da Silva Prado.

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Rogo a Deus e Mando Bala (1972) - Dir.: Osvaldo de Oliveira / Carlos Alberto, Inácio Araújo e Jorge Karan


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Gringo, o Último Matador/Gringo, o Matador Erótico (1972) - Dir.: Tony Vieira / Com Tony Vieira, Rosalvo Caçador, Heitor Gaiotti e Carlos Reichenbach

À direita a bela Claudette Joubert e Carlão Reichenbach no filme de Tony Vieira.

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O Menino da Porteira (1976) - Dir.: Jeremias Moreira Filho / Com Sergio Reis, Maria Viana, Joffre Soares e Jorge Karam

O cantor Sérgio Reis na foto maior; na foto à direita, ao lado de Sergio Reis
vemos Jorge Karam.


1969 - UM GRANDE ANO PARA O FAROESTE NACIONAL

Assim como o cinema norte-americano produziu westerns marcantes no ano de 1969, o mesmo se deu no Brasil, quando ocorreram os lançamentos de "Meu Nome é Tonho", "Gregório 38" e "O Tesouro de Zapata". Abaixo os cartazes publicados em jornais da época anunciando esses importantes filmes brasileiros que pouco ou nenhum destaque mereciam das revistas especializadas da época.