UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

25 de maio de 2017

BRAVURA INDÔMITA (TRUE GRIT) – JOHN WAYNE EM IMORTAL CARACTERIZAÇÃO


Acima Charles Portis e seu livro; abaixo
Glen Campbell, Kim Darby, Henry
Hathaway, John Wayne e Hal B. Wallis
O livro de Charles Portis “True Grit” alcançou imediato sucesso após seu lançamento em 1968, tendo sido antes, nesse mesmo ano, publicado em capítulos na lendária “The Saturday Evening Post”. Quem leu logo pensou: ‘Que belo faroeste esta história vai dar’ e os direitos passaram a ser disputados quase em um leilão, levando a melhor o produtor Hal B. Wallis. John Wayne também leu “True Grit” e procurou Wallis oferecendo-se para interpretar Reuben J. ‘Rooster’ Cogburn, personagem principal.  O produtor respondeu que só pensara nele, Duke, para interpretar o velho delegado caolho e com bigode. Wayne disse que usar tapa-olho ele até usaria, ainda que não com muito entusiasmo, mas bigode de jeito nenhum. Para interpretar o ranger texano o próprio Charles Portis sugeriu a Wallis seu conterrâneo do Arkansas Glen Campbell, cantor que vinha emplacando um sucesso após o outro na country-music. Henry Hathaway foi escolhido para dirigir porque ele e o Duke eram grandes amigos, sendo Hathaway o único diretor que Wayne respeitava num set de filmagens (além é claro de John Ford). Problema maior seria a intérprete da menina Mattie Ross, de 14 anos na história, papel que a princípio seria de Mia Farrow que recusou ser dirigida pelo pouco gentil Hathaway. Kim Darby, atriz de 21 anos, foi vista na TV por Hal B. Wallis que determinou ser ela a companheira de Wayne e Campbell no filme cujas filmagens começariam em setembro de 1968, com a maior parte das locações no Colorado.


Kim Darby
A menina e os homens da lei - Com roteiro de Marguerite Roberts “True Grit” intitulado “Bravura Indômita” no Brasil conta como o pai de Mattie Ross (Kim Darby) é assassinado por Tom Chaney (Jeff Corey). A jovem querendo justiça procura o delegado Rooster Cogburn (John Wayne) para capturar Chaney. Surge então o Texas Ranger La Boeuf (Glen Campbell) que ajuda na busca do assassino que se une ao bando chefiado por Ned Pepper (Robert Duvall). Rooster Cogburn gosta de agir sozinho e aceita a contragosto a companhia de La Boeuf, fazendo de tudo para desestimular Mattie a acompanhá-lo, o que não consegue pela obstinação da jovem. Durante a longa perseguição ao bando de Ned Pepper são mortos os bandidos Quincy (Jeremy Slate) e Moon (Dennis Hopper), antes que o trio encontre Pepper e seus homens. Tom Chaney tenta capturar Mattie mas é alvejado pela jovem e mesmo assim o Chaney fere gravemente La Boeuf. Rooster sozinho enfrenta Ned Pepper e mais três bandidos, conseguindo matá-los com a ajuda de La Boeuf que não resiste aos ferimentos.

John Wayne, Kim Darby e Glen Campbell

John Wayne
A arremetida de John Wayne - “Bravura Indômita” obteve grande sucesso de público mesmo sem ser um western superior no nível de “Os Cowboys” (The Cowboys) e “O último Pistoleiro” (The Shootist), para lembrar apenas a fase final de John Wayne. E o Duke recebeu, finalmente, o Oscar de Melhor Ator mesmo sem ter tido uma atuação portentosa como teve em “Rio Vermelho” (Red River) e “Rastros de Ódio” (The Searchers). O Oscar premiou uma das mais brilhantes carreiras que um ator poderia ter e “Bravura Indômita” é um filme que merece ser visto especialmente pela fantástica sequência do confronto entre Rooster Cogburn e os quatro bandidos. Num espaço aberto Rooster avisa que vai prender Ned Pepper e este debochadamente responde: “Você é confiante demais para um homem gordo e caolho...”. O delegado então grita: “Prepare-se seu desgraçado” e prende as rédeas de seu cavalo com os dentes e com um rifle em uma das mãos e um revólver na outra galopa em direção ao quarteto também armado. Na arremetida, como se fosse um cavaleiro medieval num torneio clássico, Rooster dispara certeiramente contra os bandidos e a sequência na tela somente parece crível por ser John Wayne em ação. Esse momento é um dos mais marcantes entre os tantos westerns do Duke e se tornou instantaneamente antológico no gênero. Mesmo com toda grandiosidade da sequência o filme de Hathaway prossegue em busca de mais emoção com o espectador ainda recuperando o fôlego com a cavalgada de Rooster Cogburn.

Kim Darby e John Wayne
Os problemas com Kim Darby - “Bravura Indômita” não foi um filme fácil para John Wayne, isto porque cedo, durante as filmagens, percebeu que não se daria bem com Kim Darby. Isso até foi bom porque a pouca ou nenhuma simpatia entre ambos foi transferida para a hostilidade que permeia muitos dos diálogos de Rooster com Mattie. Acostumado a intimidar com sua presença e tamanho até mesmo atores tão famosos e consagrados como ele, Wayne não compreendia como uma atriz praticamente principiante no cinema podia tratá-lo sem a devida e merecida reverência. Para piorar as coisas. Kim havia dado à luz meses antes e vivia às turras com seu marido, o ator James Stacy. Algo que o Duke nunca aceitou foi alguém levar para os sets de filmagens seus problemas pessoais, profissional extremado que ele era. Por outro lado, Wayne e Glen Campbell desenvolveram ótima amizade.

Kim Darby
Personagem cansativa - Henry Hathaway imprimiu um ritmo lento a “Bravura Indômita” e quando isso acontece os diálogos devem ser suficientemente interessantes para prender a atenção do espectador. Não é, no entanto, o que aconteceu com o roteiro de Marguerite Roberts, até porque a petulância e obstinação de Mattie Ross são exagerados e tornam a personagem cansativa. Um pouco mais inspirados são os momentos com o gordo e beberrão Rooster Cogburn, como quando ele dispara contra um ‘desobediente’ rato numa indisfarçável alegoria à ideologia política do homem John Wayne. Num faroeste bastante tradicional, com 128 minutos de duração, Hathaway reservou para a meia hora final os momentos mais empolgantes, preenchendo boa parte do filme com exuberantes tomadas dos cenários do Colorado, obra do cinegrafista Lucien Ballard. Neste mesmo Ballard foi o diretor de fotografia de “Bravura Indômita” e de “Meu Ódio Será Sua Herança”, faroestes inteiramente opostos em sua concepção. A música de Elmer Bernstein para o filme de Hathaway não foge do estilo desse grande maestro-compositor, embora careça de maior inspiração e principalmente da falta de um tema principal mais marcante.

Robert Duvall
Desperdício de talentos - O elenco de personagens secundários é uma atração à parte, com destaque para Robert Duvall, Dennis Hopper, Jeff Corey, Strother Martin e Jeremy Slate. O roteiro não desenvolve a contento esses personagens e a aparição de Hopper e Slate são rápidas, enquanto a Robert Duvall nenhuma oportunidade é dada para demonstrar o excepcional ator que sempre foi. Muito boa, embora também curta, a saborosa participação de Strother Martin diante de Kim Darby. Outros bons atores com cenas curtas são James Westerfield como o Juiz Parker e John Doucette. Vivido por John McIntire em “Justiceiro Implacável”, a segunda aventura de Rooster Cogburn, o Juiz Parker discute, briga Glen Campbell desperdiça boa oportunidade de se lançar como ator tornando quase irrelevante seu personagem que no livro é mais destacado. Glen Campbell interpreta a canção-título executada durante a apresentação dos créditos.

Strother Martin e Jeff Corey

John Wayne
John Wayne arrasador - Marguerite Roberts foi uma roteirista enquadrada na lista negra de Hollywood por se recusar a citar nomes de colegas envolvidos com comunistas, no tempo da caça às bruxas. Jeff Corey também foi blacklistado e proibido de atuar no cinema por algum tempo. Reconhecido extremista de direita, John Wayne gostou de interpretar Rooster Cogburn conforme imaginado por Marguerite e com as falas que ela concebeu. Como o delegado beberrão Wayne foge dos tipos quase sempre iguais que vinha interpretando e mais uma vez demonstra que tinha sim qualidades de ator muito mais amplas que os limites que lhe imputaram durante quase toda a carreira. Vigoroso, bronco, descortês com quase todos e implacável com bandidos e ratos, Cogburn é distinto de delegados convencionais com o tapa-olho que além de tudo não deixa de ser uma comovente homenagem a John Ford. Só não o chamem de Reuben J. Cogburn que aí ele fica ainda pior, ou no caso, melhor...

Warren Oates
True Grit na TV - “Bravura Indômita” não teve propriamente uma continuação, mas sim o personagem Rooster Cogburn se repetiu em uma nova aventura no referido “Justiceiro Implacável”, na memorável parceria entre John Wayne e Katharine Hepburn. Em 1978 foi produzido o TV movie “True Grit – A Further Adventure” estrelado por Warren Oates, o bom ator que não conseguiu chegar perto de John Wayne. E quem chegaria?




14 de maio de 2017

JUSTICEIRO IMPLACÁVEL (ROOSTER COGBURN) – JOHN WAYNE E A ADORÁVEL LADY HEPBURN


Acima Martha Hyer, Hal B. Wallis e John Wayne;
abaixo Katharine Hepburn e Hal B. Wallis
Ao receber o Oscar de Melhor Ator por sua atuação em “Bravura Indômita” (True Grit), John Wayne declarou que se soubesse teria usado um tapa-olho anos antes. O sucesso desse filme foi tão grande que o produtor Hal B. Wallis teve a ideia (óbvia) de ressuscitar o personagem do xerife beberrão interpretado novamente pelo Duke, encomendando a Charles Portis, autor da história original de “True Grit”, não uma sequência, mas sim uma nova aventura com Rooster Cogburn. John Wayne gostou da nova história em que o envelhecido xerife se junta a uma missionária para capturar um bando de foras-da-lei e pediu a Hal B. Wallis que contratasse Ingrid Bergman para coestrelar o novo western com ele. A atriz sueca não pode aceitar o convite que acabou nas mãos de Katharine Hepburn e esperava-se que John Wayne, que tinha a prerrogativa de aprovar a ‘leading-lady’, recusasse a participação de Kate, como havia feito com o diretor Richard Fleischer, escalado inicialmente para dirigir. Wayne nunca esqueceu e não perdoou Fleischer por este ter declinado da direção de “Fúria no Alasca” (North to Alaska), 15 anos antes. Katharine Hepburn, detentora (ante então) de três prêmios Oscar e oito outras indicações, sempre foi conhecida por sua visão política liberal, antagônica à do radical de direita John Wayne. Mas Wayne lembrou que Kate havia sido nos anos 30 uma grande paixão de seu amigo e mentor John Ford (falecido há menos de dois anos). Ora, se Ford gostara tanto de Kate, porque ele John Wayne não haveria de gostar de atuar ao lado dela? E a equipe, com a direção entregue ao novato Stuart Millar foi para o Oregon filmar “Justiceiro Implacável”, que em Inglês deveria se chamar “Rooster Cogburn and the Lady”, mas cujo título foi reduzido simplesmente para “Rooster Cogburn”.


John Wayne e Katharine Hepburn
O xerife e a missionária - Rooster Cogburn (John Wayne) perde seu cargo de xerife porque o juiz Parker (John McIntire) o considera violento demais, o que prejudica a imagem da cidade. Parker teve que reconsiderar sua decisão e recontratar Cogburn quando um bando liderado por Hawk (Richard Jordan) e Breed (Anthony Zerbe) assaltam uma patrulha que transportava caixas de nitroglicerina e uma metralhadora Gatling dizimando todos os soldados. De passagem pelo rancho onde a missionária Eula Goodnight (Katharine Hepburn) mantém uma escola para jovens índios, os bandidos promovem desordem e Hawk mata friamente o pai da missionária. Em seguida chega ao local Rooster Cogburn, que está no encalço do bando e que relutante tem de aceitar que Eula o acompanhe na busca aos bandidos. Eula, acompanhada pelo jovem índio Wolf (Richard Romancito) quer ajudar a prender os malfeitores e levá-los a julgamento. Rooster, Eula e Wolf surpreendem os bandidos e recuperam a perigosa carga, passando a ser perseguidos pelo bando de Hawk. Cogburn vê como única possibilidade de fuga escapar por um rio, em uma jangada, levando os explosivos e a metralhadora. O enfrentamento se dá dentro do rio com o velho xerife, a missionária e o índio levando a melhor sobre os bandidos.

John Wayne e Katharine Hepburn
Plágio de um clássico? - Se Charles Portis escreveu a história da nova aventura de Rooster Cogburn, desta vez ao lado de uma evangelizadora com sequência culminante de ação passada em um rio, e a contratação de Katharine Hepburn se deu posteriormente, isso é o que pode chamar de grande coincidência. A formidável atriz havia, em 1951 filmado “Uma Aventura na África”, no qual desempenha uma missionária que acompanhada pelo capitão dono de um barco enfrentam e vencem inimigos alemães em tempo de I Guerra Mundial. Coincidência ou mera cópia trocando o Leste da África pelo Velho Oeste norte-americano e o raramente sóbrio capitão pelo xerife beberrão, o fato é que “Justiceiro Implacável” tem além das notórias semelhanças, a presença de Katharine Hepburn e John Wayne se não faz esquecer Humphrey Bogart, chega próximo dele como ninguém poderia suspeitar. “Justiceiro Implacável” é um western que foge da rotina pelos ingredientes inusitados a um filme do gênero mas que, mais importante que isso, possibilita um dos mais encantadores encontros do cinema. E certamente isso se deve em grande parte ao roteiro escrito por um certo ‘Martin Julien’, pseudônimo de Martha Hyer, atriz esposa do produtor Hal B. Wallis, revelando inesperados dotes como roteirista. Brilhantes, engraçados e por vezes hilariantes mesmo os diálogos travados entre Rooster Cogburn e Eula Goodnight em seus embates recheados de citações bíblicas e observações sarcasticamente humoradas entre um e outro. Até o emocionante diálogo final:
RoosterIrmã, se um dia precisar de um oficial de paz caolho...
EulaReuben, preciso dizer isto: viver com você foi uma aventura que qualquer mulher prezaria para sempre. Eu olho para você, para este rosto queimado, essa barriga imensa, essas patas de urso e esses olhos brilhantes e preciso dizer que você é um exemplo para o sexo masculino. E que tenho orgulho de ser sua amiga.
Rooster – A última palavra tinha que ser dela de novo.

John Wayne e Katharine Hepburn

John Wayne
Meu nome é Reuben - Acostumada a atuar ao lado de atores renomados e famosos por seus predicados artísticos, Katharine Hepburn não intimidou John Wayne neste filme pois o Duke está totalmente à vontade ao lado de Kate como se esta fosse a própria Maureen O’Hara. Perfeito e interpretando a ele próprio, como de hábito, mas num dos momentos mais felizes de sua carreira, resultado da plena interação com Katharine Hepburn, ambos aos 68 anos de idade. No filme tem menos importância a perseguição e confrontos com os bandidos que a terna história de amizade que nasce entre os dois envelhecidos personagens que cativam e conquistam irremediavelmente o espectador. Rooster confessar constrangido seu verdadeiro nome (‘Reuben’) a Eula é uma situação jocosa que ela minimiza amorosamente lembrando ser ‘Reuben’ um personagem bíblico. Quase 30 anos mais tarde, em “Pacto de Justiça” (Open Range), Robert Duvall confessa ao atordoado Kevin Costner seu incomum nome (‘Bluebonnet”), numa lembrança a este diálogo de “Justiceiro Implacável”. Ao final, Rooster e Eula se separam, não sem antes demonstrar mutuamente o respeito e a admiração que se apossou de ambos depois de intermináveis e nem sempre amáveis discussões.

John Wayne e Strother Martin (acima);
Katharine Hepburn e Richard Romancito
Filme de Duke e Kate - “Justiceiro Implacável” foi dirigido por Stuart Millar, mais lembrado como produtor que pelos dois filmes que dirigiu (o outro foi o western “Quando Morrem as Lendas”, com Richard Widmark). John Wayne, como de hábito merecia ser creditado como co-diretor, tantas foram as ‘sugestões’ feitas durante as filmagens. As sequências de ação não chegam a empolgar, ainda que bem dirigidas, especialmente a difícil descida da jangada carregada de explosivos em meio às pedras do rio durante a forte correnteza. Tudo com bela fotografia de Harry Stradling Jr. Richard Jordan se esforça para dar impressão de sadismo ao seu personagem enquanto Anthony Zerbe mesmo discreto é muito mais amedrontador como o bandido que ao final se redime. Pequenas participações de Strother Martin e John McIntire num filme todo ele da dupla Katharine Hepburn e John Wayne neste único e inesquecível encontro na tela. Wayne ainda atuaria em “O Último Pistoleiro” (The Shootist), sua magnífica despedida do cinema, enquanto Katharine Hepburn ainda teria tempo para abiscoitar mais um Oscar por “Num Lago Dourado”, em 1981. A grande atriz com esta interpretação transformou a missionária numa das mais marcantes personagens femininas dos faroestes, gênero onde as mulheres são pouco mais que meros enfeites.

Richard Jordan e Anthony Zerbe

John Wayne e Katharine Hepburn
Mais que perfeito Rooster Cogburn - Mesmo demonstrando em “Justiceiro Implacável” sinais da aparente enfermidade que sempre refutou ser Mal de Parkinson, a carreira de Katharine prosseguiria por mais 18 anos, com a atriz vindo a falecer aos 96 anos de idade, em 2003. Uma curiosidade é que o ator Richard Jordan declarou que durante as filmagens tinha a impressão que Kate poderia morrer a qualquer momento, dado seu suposto estado de debilidade. Mal sabia o ator que ele viria a falecer dez anos antes dela, em 1993, aos 56 anos de idade, logo após concluir sua participação em “Anjos Assassinos” (Gettysburg). “Bravura Indômita” teve uma sequência nada desabonadora e em certos aspectos até superior pois John Wayne está em “Justiceiro implacável” muito melhor como Rooster Cogburn que no filme que lhe valeu o Oscar. Imprescindível para os fãs do Duke e mais ainda pela presença da extraordinária Katharine Hepburn.

John Wayne e Katharine Hepburn que se tornaram grandes amigos
após filmarem juntos.