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22 de agosto de 2017

PÔQUER DE SANGUE (5 CARD STUD) – OS ASES MARTIN E MITCHUM NUMA FRACA MÃO DE HATHAWAY


Henry Hathaway
Aos 70 anos de idade em 1968 Henry Hathaway não pensava em se aposentar e poucos poderiam acreditar que ele ainda fizesse dois ótimos westerns: “Bravura Indômita” (True Grit) em 1969 e “O Parceiro do Diabo” (Shoot Out”) em 1971. “Pôquer de Sangue” (5 Card Stud), que Hathaway realizou em 1968 parecia que poderia também resultar em um western classe A e para isso Robert Mitchum e Dean Martin foram contratados para liderar o elenco. Mitchum ficou em dúvida em aceitar ou não pois havia recebido convite para interpretar ‘Pike Bishop’ no novo faroeste de Sam Peckinpah, “Meu Ódio Será Sua Herança” (The Wild Bunch). Entre trabalhar com um diretor novo com fama de difícil, Mitchum optou por trabalhar com o veterano Hathaway que também gostava de gritar com os atores e que o dirigira em “Feitiço Branco” (1953), sem que (o diretor) o desrespeitasse. E quem teria coragem para qualquer desaforo com Bob Mitchum sem levar o devido troco? Uma curiosidade dessa reunião era que tanto Mitchum quanto Martin desempenharam papéis de xerifes bêbados em westerns de Howard Hawks. E Mitchum interpretaria um personagem parecido com sua imortal criação do fanático pastor evangélico de “O Mensageiro do Diabo”. A produção de “Pôquer de Sangue” foi de Hal B. Wallis, mesmo produtor de “Cidade negra”, policial noir de 1950 com muitos pontos de semelhança com o novo faroeste de Hathaway.


Acima Jerry Gatlin sendo enforcado;
abaixo Dean Martin e Roddy McDowall
A mesa da morte - Numa mesa de pôquer na cidadezinha de Rincon um jogador esconde uma carta e como castigo é linchado por um grupo liderado por Nick Evers (Roddy McDowall). Van Morgan (Dean Martin), jogador profissional, tenta sem êxito salvar o infeliz da forca. Chega então ao lugar o Reverendo Jonathan Rudd (Robert Mitchum) e tem início uma série de execuções na cidade, coincidentemente todos os mortos estavam na fatídica rodada de pôquer. Aparentemente Nick Evers seria o responsável pelas mortes, forma de acobertar ter ele comandado o linchamento. Descobre-se, porém, que o pregador é irmão do jogador enforcado pelo grupo e se instalara em Rincon para executar a vingança. Tanto Nick Evers quanto Van Morgan estão na lista do Reverendo que já matou os demais participantes da mesa de pôquer. O Reverendo faz uso de uma arma escondida em sua Bíblia quando se confronta, primeiro com Evers, a quem mata e em seguida no duelo contra Van Morgan, momento final de sua vingança.

A mesa fatídica e Robert Mitchum

Roddy McDowall e Robert Mitchum
Cowboy bizarro - Até a primeira metade “Pôquer de Sangue” mantém o interesse do espectador na trama típica de filme de mistério policial. Perde, no entanto esse atrativo quando contrapõe os dois possíveis responsáveis pela série de assassinatos, o irascível jovem interpretado por Roddy McDowall e o sinistro reverendo. Enquanto Robert Mitchum revive o psicótico religioso de “O Mensageiro do Diabo”, McDowall lembra o perturbado Norman Bates de “Psicose”. Com forte sotaque britânico, McDowall é um dos mais bizarros cowboys já vistos em um western e, mesmo sem uma atuação vigorosa de Mitchum, fica claro que o reverendo é o tenebroso assassino da série de mortes. Torna-se então um western comum que se sustenta pela direção segura de Hathaway na condução de uma história mais que previsível. E pouco ajuda o roteiro com personagens femininas tantas vezes vistas em outros faroestes: uma bela jovem (Katherine Justice) disputando com a prostituta de bom coração (Ginger Stevens) o amor do herói. O triângulo não funciona não só porque forçado mas também pelas inexpressivas participações das atrizes e evidente desinteresse de Dean Martin por seu personagem. Mitchum até que se esforça um pouco mais.

Uma Bíblia perigosa
A Bíblia e o Colt - São justamente de Mitchum os melhores momentos de “Pôquer de Sangue”, especialmente a tensa sequência de luta contra o ator negro Yaphet Kotto. Mitchum é impressionante quando incute fúria a seus personagens como nessa sequência e, vencido pela força física do gigantesco Kotto (1,93m) faz uso a queima-roupa de seu revólver. Por sinal o reverendo lembra que não só a Bíblia expressa verdades, mas também seu Colt, “primeiro nome Samuel”, num inspirado trocadilho. O enfrentamento repetido duas vezes com a Bíblia aberta nas mãos em pleno cemitério é igualmente expressivo com a sagacidade do jogador-pistoleiro que percebe estar o livro de cabeça para baixo. Ao final “Pôquer de Sangue” deixa a impressão que as boas ideias do roteiro são desperdiçadas, assim como o talento dramático de Mitchum e o charme de Dean Martin.


Muitos atores característicos - Ruth Springford foi uma atriz que pouco atuou no cinema, dedicando-se quase que totalmente à TV, tendo bom desempenho, assim como Yaphet Kotto. Este em seu primeiro filme tentando seguir os passos de Sidney Poitier Uma pena Denver Pyle ser tão mal aproveitado só aparecendo no início e no final do filme, enquanto o ótimo Ted de Corsia, desta vez como xerife, atua menos tempo ainda. Entre os muitos nomes constantes em westerns aparecem Jerry Gatlin, Roy Jenson, Don Collier, Boyd ‘Red’ Morgan, Chuck Hayward (na foto ao lado de arma em punho) e John Anderson. Roddy McDowall foi uma escolha no mínimo esdrúxula.

Cartada inexpressiva - Dean Martin canta a canção-título “5 Card Stud”, de autoria de Ned Washington (letra) e Maurice Jarre, cuja melodia é trabalhada incidentalmente pelo maestro francês durante todo o filme. Rodado em locações em Durango, assim como a música de Jarre a cinematografia de Daniel L. Faap pouco impressiona. Nesta rodada de pôquer dirigida por Henry Hathaway o espectador mal consegue um par de ases porque os ases Martin e Mitchum jogam com pouca vontade.